quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Incompetência insustentável

Algumas pessoas, que julga-se perceberem de política orçamental, dizem que o governo tem previsões orçamentais que não estarão de acordo com a instabilidade da economia internacional, muito wishful thinking.

Soube-se ontem que, durante a negociação de Cahora Bassa, não foi tido em conta a desvalorização do Dólar em relação ao Euro e o país acabou por receber menos 80 milhões de euros do que estava originalmente previsto no acordo, apenas e só porque não foi acautelada a desvalorização monetária...

FG

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

As confissões de Amado

O MNE português, à margem da inauguração do AICEP em Singapura, fez questão de fazer saber que preferia que Mugabe não viesse à Cimeira, deve estar quase certo que vem; faz o gosto a ingleses e não chateia muito os africanos - porque diz que não quer Mugabe cá porque trará "ruído" à cimeira, afastando os temas importantes... Diz o povo, uma no cravo, outra na ferradura.

Isto da Diplomacia é um jogo de equilíbrios eo Amado "joga bonito"!

FG

Concordâncias...

Estava ontem a ver a "Quadratura do Círculo" na SIC notícias quando sou surpreendido pelo facto dos participantes assumirem que gostaram de ouvir o rei espanhol mandar calar Chávez.

É engraçado ver a defesa das posições mais estúpidas. Chávez é mal-educado e inconveninete (seria bom que algumas cabeças - supostamente - pensantes tentassem perceber porque razão ele ganha eleições como o faz no seu país), mas dizer-se que se concorda com um Chefe-de-Estado mandar calar outro numa conferência internacional??? É curioso que o José Pacheco Pereira tem o hábito de criticar a falta de elevação no diálogo político e a forma arrogante como o Primeiro-ministro trata os seus opositores no Parlamento português; não sei se serão dois pesos e duas medidas ou apenas e só o complexo anti-chavista a funcionar.

Clara Ferreira Alves comentava, no "Eixo do Mal" que o ocidente não se dá bem com a "sublevação" índigena na América do Sul. De facto a cultura europeia é etnocêntrica (quase todas são, mas esta tem tido mais oportunidades de esmagar as outras...) e tende a olhar e interpretar as realidades dos outros partindo de paradigmas próprios; caindo no pecado original e acabando por nunca perceber "o outro". É um problema antigo mas que apenas a civilização europeia reconhece, e essa é a sua superioridade, o facto de ser capaz de se auto-criticar e de se regenerar.

O problema com Chávez não reside no facto dele ser mestiço ou do ocidente não o compreender, nsem sequer do facto dele resistir às regras e aos padrões internacionalmente impostos; o problema com Chávez nasce do facto da forma como ele o faz. Até consigo perceber que se defenda um modelo com iniciativa do Estado, menos liberal, mais regulado; não percebo é a necessidade de se chamar "Diabo" ao presidente dos EUA para fazer a defesa de tal modelo (muitos dirão que nasce no facto dos EUA tratarem a América latina como o "Quintal"); também entendo, se for verdade, a revolta de Chávez com Aznar pelo facto deste ter patrocinado um golpe de Estado para o depor - só não precisa de o insultar e de não deixar ninguém falar. Discordo de Chavez na forma de comunicação e nos remédios para os problemas do Estado e da sociedade venezuelana; compreendo muito bem a revolta desta gente para com a estrutura dos seus países, não pode ser fácil viver em sociedades de ascensão tão fechada...

Compreendo que dê vontade de mandar calar Chávez; o homem é rude, mal-educado, inconveniente... Zapatero não o mandou calar, esteve à altura das circunstâncias. Que diabo, há algum problema em afirmar-se que era o rei que devia estar calado? Porque foi capaz de segurar a democracia espanhola vive numa redoma do "can´t do no harm"? Esse tempo passou, não é possível que se concorde com faltas de educação, um passado limpo não serve de desculpa para falhas graves... vidé Otelo!

FG

Xiu


A interdependência acontece quando numa discussão numa Cimeira Internacional um rei se comporta de forma tão pouco delidaca quanto um populista sul-americano, destratando um Chefe-de-Estado; sequentemente o ambiente para as empresas daquele país fica difícil; o nível da discussão não se eleva e o presidente daquele Estado sul-americano nacionaliza os bens de um grande banco do país do rei; sequentemente as acções desse banco caem a níveis absurdos na bolsa, tornando-o vulnerável a uma OPA hostil.


Após ser comprado por uma entidade estrangeira o banco é integrado na rede do banco que o compra e alguns milhares de funcionários são despedidos.


Foi-se uma empresa bandeira, foram-se importante activos do país, aumenta o desemprego, fragiliza-se a economia.... há momentos em que mais valia estar calado!


FG

Euro 2008

Estamos a ficar mal (ou finalmente bem...) habituados. A selecção portuguesa de futebol apurou-se para o 4º europeu consecutivo, antes desta fase tínhamos estado nos Mundiais de 1966 e 1986 e no Europeu de 1984. Em 1996 estivemos bem, fomos eleminados nos quartos-de-final pela República Checa, com um golo tremendo de Poborsky, numa saída em falso de Vítor Baía, e num jogo dominado por Portugal; em 2000 fomos terceiros num europeu no qual jogámos o nosso melhor futebol de sempre (que me lembre), eleminados por um França sortuda; e, em 2004, em casa, só não ganhámos por manifesto azar numa final com uma Grécia hiper-tática...

A fase de qualificação para o Euro-2008 inaugura uma nova etapa para a selecção nacional, na qual já não há jogadores da "geração de ouro". Faltou um líder em campo e as sucessivas lesões de jogadores fundamentais deixaram o apuramento para o último jogo. A selecção portuguesa de 1996-2004 foi construindo prestígio internacional em torno de jogadores referência no mundo: úm dos melhores guarda-redes (Vítor Baía), um dos melhores centrais do mundo (Fernando Couto), o melhor trinco (Paulo Sousa), um dos melhores médio centro (Rui Costa) e o melhor extremo (Luís Figo). Foi, de facto uma geração de ouro, faltou apenas um ponta de lança de elite para Portugal ter vencer uma competição (Rui Costa muitas vezes disse que faltava um Batistuta...).

A reacção nacional foi calma, sem festejos ou euforias. estamos habituados a ver sinfonias no relvado, temos de nos habituar a uma equipa em construção. Falta um guarda-redes de topo; há centrais e laterais direitos do melhor do mundo (Carvalho, Andrade, pepe, meira, Bosingwa e Miguel); faltam medios da dimensão de costa (Tiago nunca mais é à séria, Deco é bom mas não chega; Manuel fernandes, Moutinho e Veloso são muito novos)..., extremos há de qualidade e em quantidade nunca vista (Ronaldo, simão, quaresma e nani). Se Makukula cumprir pode ser a peça que falta a Portugal.

Vamos ver no que dá, faltam 8 meses para o europeu; de uma maneira ou de outra, vamos à festa!

FG

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A preocupação do lado de lá da raia

Foi hoje publicado um artigo no Diário Económico de um jornalista espanhol, Miguel Angel Belloso, director da “Actualidad Económica”, vociferando contra Soares e as relações perigosas entre Portugal e a Venezuela. O que será que tanto preocupa “nuestros hermanos” nas boas relações entre Portugal e o país de Chávez? No mesmo periódico a GALP considera que a Venezuela é um “parceiro inevitável”, as oportunidades existem para serem aproveitadas!

FG

domingo, 18 de novembro de 2007

ABM e NPT - passado, presente e futuro


A questão iraniana está a levantar alguma celeuma junto de uma camada da população, relativamente informada, mas que trata estes temas pela rama…

O Tratado ABM (Anti Ballistic Missile) foi assinado em 1972 e é, em minha opinião, o documento que melhor retrata quer a Guerra-fria, quer a Doutrina MAD (Mutual Assured Destruction). Grosso modo, o Tratado proíbe a instalação de mísseis defensivos contra mísseis balísticos, isso mesmo, proíbe as defesas; fá-lo porque a Guerra-Fria, a partir do momento em que se alcança a paridade nuclear, vive no equilíbrio de terror, ninguém ataca porque esta garantido o “2nd strike capability”, a “mutual assured destruction”. A instalação de sistema defensivos poderia permitir a quem tem capacidade defensiva, estar a salvo da resposta inimiga, retirando o “2nd strike capability”, destruindo o paradigma do equilíbrio de terror em que o mundo vivia.

Este documento tem um período próprio, que termina em 1991, com o fim da URSS e da ameaça comunista, na realidade os EUA apenas se retiram do tratado em 2002, quando decidem que precisam de defender-se do próximo sistema internacional – o que há-de vir… Mortan Kaplan previa a multipolaridade nuclear, que pelo andar da carruagem está mais próxima do que se pensava há uns anos (faz-se um pequeno parêntesis para salientar que acreditamos ser mais provável uma ameaça nuclear suja, uma dirty bomb, proveniente de ameaças pós-modernas do que de um “rogue state”).

O TPN (Nuclear Non-Proliferation Treaty) é um documento do qual apenas 4 Estado não fazem parte (Israel, Índia, Paquistão e Coreia da Norte – esta última já foi parte do Tratado, violou-o e mais tarde retirou-se); e visa parar a proliferação do armamento nuclear, o desarmamento nuclear; e, os fins pacíficos desta tecnologia.

O primeiro tratado é um instrumento regulador do sistema de equilíbrio de um tempo histórico próprio; o segundo documento é, acima de tudo, um instrumento regulador da boa vontade dos povos do mundo pela utilização pacífica da tecnologia nuclear

Se o ABM materializa em tratado o equilíbrio de terror, o TPN prevê – a anos de distância – a proliferação desta tecnologia e os riscos e custos associados; um é um texto sincrónico com um determinado período, outro é um instrumento diacrónico para memória futura dos líderes e governantes mundiais.

FG

Manigâncias

No Governo PSD/CDS houve uma expressão, ate então desconhecida da generalidade das pessoas – acredito, que virou escárnio: manigâncias.

As manigâncias eram os métodos, ad-hoc ou supostamente menos dignos, que a então Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, usava para tentar controlar as contas públicas. Falou-se principlanmente de duas opções de governação: venda de bens do Estado (normalmente imóveis) e da venda de créditos futuros portugueses ao Citygroup.

Curiosamente o Partido que criticava a então Ministra, o PS, escolhe uma manigância – no caso a transformação da Estradas de Portugal de EPE em SA – para arrasar com uma estratégia de anos de clarificação das contas do Estado.

Esta questão da Estradas de Portugal tem, aliás, diversas questões melindrosas: uma primeira, que vem esconder parte do défice público; a segunda, segundo o PSD, que visa criar uma falsa margem de modo a dar folga aos portugueses em 2009; e, uma terceira dimensão, que mexe com a – possível – entrega aos privados da rede rodoviária nacional (o em breve ex-Ministro das Obras Públicas já disse que o Governo não pretende privatizar as EP… nesta legislatura!).

Esta decisão do Governo do PS demonstra a total falta de estratégia para as grandes questões nacionais… ainda estou à espera que me digam quais as vantagens e desvantagens da Ota e de Alcochete; decidir uma obra pública desta dimensão com o fundamento no menor custo é uma infelicidade.

FG

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Condicionados

Nem de propósito! O Presidente da República e o líder da oposição, certamente sem qualquer tipo de concertação, condicionaram o Governo na questão do novo aeroporto, dificultando qualquer decisão menos técnica.

Muito bem esteve Menezes, acusou o Governo de ter encenado um acto de propaganda com o estudo de Alcochete, sofreu um ligeiro revés do Presidente - que veio a terreiro dizer que não acredita nessa possibilidade (amarrando o Governo à questão técnica); logo Menezes elogiou o Chefe-de-Estado, esvaziando o balão dos possíveis comentários que iriam, com certeza, decretar as dificuldades de relacionamento Belém-São Caetano à Lapa. Começa bem Menezes...

Está inquinado o debate e a decisão, ao contrário do que desejava a construção desta estrutura não terá por base uma ideia/estratégia de desenvolvimento nacional; será a construção de um equipamento necessário ao país mas, parece-me que feito de forma avulsa...

FG

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Ota vs. Alcochete


A decisão do novo Aeroporto de Lisboa devia ser alvo de estudo profundo nas Academias de Ciência Política em todo o mundo como um exemplo de como não se deve decidir! É de facto notável como o país anda há dezenas de anos para decidir onde fazer a nova estrutura aeroportuária da capital, se não for caso único será, certamente, muito raro.

Nos recentes capítulos desta novela trágica em que o Estado português se tem deixado arrastar a CIP decidiu (em acordo com o Primeiro-Ministro) realizar um estudo sobre a viabilidade do aeroporto ser construído em Alcochete e não na Ota.

O estudo, como não poderia deixar de ser num documento técnico, aponta defeitos e virtudes a esta localização. Custando x ou y, sendo a oneração modular, em função do que for decidido construir - especialmente em acessos.

Num comentário politicamente assassino o presidente da CIP, Francisco Van Zeller, anunciou que o Ministro da Tutela, Mário Lino, queria destruir este estudo - de modo a facilitar a decisão (entretanto já tomada, não esquecer) pela Ota. Esta frase, além de ser grave do ponto de vista político e pessoal - na sequência de muitas outras do mesmo autor, tem o condão de condicionar o Ministro, silenciando-o sobre esta matéria: tudo o que Mário Lino disser sobre o tema será visto sobre a óptica do favorecimento à Ota. No entanto, e porque não ouvi ninguém dizer isto antes, pode Van Zeller dizer estas coisas sem que alguém pergunte como obteve essa informação? Não deveria já Mário Lino ter chamado à coação o autor de tal informação e instá-lo a dizer quem o informou de tal; sob pena de ter de afirmar que a afirmação é falsa! Se tal não acontecer, somos obrigados a acreditar que Van Zeller não mentiu, que o objectivo do Ministro está tomada sem ler ou ouvir mais estudos.

Independentemente deste estudo tenho uma outra questão: a decisão da construção do novo aeroporto é técnica ou política? Esta questão é um bocadinho pertinente pois, parece-me que o debate está inquinado pela presença de tantos e tão consagrados engenheiros e empresários.

A decisão da decisão de uma grande obra pública deve estar sempre assente numa decisão política, ainda que consubstanciada tecnicamente; querer transformar-se esta decisão num facto técnico é uma falácia. Não cabe ao Eng. A ou B a decisão, cabe a que foi eleito para governar o país decidir onde, como e porquê construir o aeroporto. A construção desta obra implica saber-se para que se quer um novo aeroporto; se para Lisboa, se para o país; se se quer uma estrutura que aumenta a oferta ou uma placa de ligação a outros destinos (como Barajas é para a Am. latina...); ligação a estruturas ferroviárias e portuárias ou independente; potenciadora da região A ou B; etc...

É altamente redutor estarem a ser discutidos os números da obra, quando a obra em si mesma nada vale (ou pouco vale); o importante é saber-se o que se consegue extrair de um novo aeroporto, e qual a localização que mais oferece ao país integrada na Estratégia nacional! Até agora esta parte da discussão tem estado omissa, e por isso o governo está a perder o combate com os tecnocratas.

Falta explicar ao país o porquê de uma localização ou de outra. Se a decisão for assente em bases sólidas e integrada numa estratégia nacional, facilmente o Governo sai desta questão em alta, de outra forma está montado um atoleiro que atirará lama para Lino e Sócrates.


FG


ps - no meio desta questão ainda não percebi se existe a tal Estratégia Nacional ou se estamos a navegar à vista, como quase sempre...

segunda-feira, 12 de novembro de 2007


Ontem foi um fim de tarde à antiga. Comemos uma barrigada, mas a consistência do futebol não me convenceu. Falta, definitivamente, qualidade em algumas das posições do plantel...


Esperemos por Dezembro, mas ainda vamos lá...

FG

ps - a actual condição do Boavista mostra que está muita coisa a mudar na estrutura de poder do futebol nacional...

Parabéns Angola


Comemorou-se ontem, 11 de novembro de 2007, o 32º aniversário da independência de Angola. Promessas de eleições, democratização e desenvolvimento na economia de maior crescimento no mundo.


Nessa madrugada em 1975, lutava-se duramente pela capital da então colónia portuguesa (ou província ultramarina, é apenas semântica...). Todos os líderes iniciais dos movimentos de libertaçao angolano já pereceram: Neto (que proclamou a independencia em Luanda), Savimbi e Roberto (que proclamaram outras independências no Huambo e no Uíge).


A independência começou muito mal, com a potência colonial a usar do lema "o último que apague a luz" e a sair à pressa - vivia-se também um processo revolucionário doloroso em Portugal. A consequência foi a talvez mais dura guerra civil de África (ainda que sem os ódios dos casos do Ruanda e do Congo), entre 1975 e 2002 - co o interregno de Bicesse e Lusaca.


Hoje, Angola promete ser o que semrpe dela se esperou: uma potência regional afirmativa. Nada está ganho, mas o futuro está já ao virar da esquina.


FG

A agressividade de Juan Carlos…



Houve um tempo, no “ancien régime”, no qual o rei tinha o direito de fazer o que entendia no interior das suas fronteiras – foi a Soberania pós-Vestefaliana levada ao Extremo da existência. Após 1789 com mais umas e menos umas cabeças cortadas com patrocínio do Dr. Joseph-Ignace Guillotin moderou-se o poder do monarca e a soberania passou a residir na Nação, deixando de ser uma prerrogativa do divino.

Este fim-de-semana, numa Cimeira num continente que, em tempos idos, conheceu um fabuloso domínio espanhol, o Rei de Espanha – povo que naquele hemisfério sempre foi um exemplo de ponderação e equilíbrio no seu relacionamento com os indígenas, dizimando a seu bel-prazer – foi capaz de mandar calar um Chefe-de-Estado.

Não sou fã de Hugo Chávez, nunca poderia ser, mas o grau de agressividade com que o Rei de Espanha se dirigiu ao senhor foi degradante. Nunca imaginei ver o presidente da Venezuela dar uma lição de educação ao monarca vizinho mas… aconteceu! É simplesmente inadmissível que um chefe-de-Estado se comporte assim.

Desde 1981 habituámo-nos a ver no rei espanhol um exemplo de ponderação e educação, superior a forma como “salvou” a democracia espanhola em 1981. No entanto, os últimos tempos não têm sido fáceis: trabalha com o governo mais liberal (em matéria de costumes e organização do Estado) que ate hoje já conheceu; grassa em diversas províncias espanholas uma oposição à monarquia até hoje desconhecidas; a família real espanhola – em tempos um exemplo de discrição – abre buracos por todos os lados; e, recentemente, o reino do Marrocos decidiu capitalizar a fraqueza do país.

De uma coisa estou certo: não será com o aumentar da agressividade do discurso político que o rei manterá autoridade. Até acredito que a prazo os súbditos fiquem orgulhosos da forma vibrante como o “viejo” defende os seus, mas a prazo tem custos para a sua imagem e terá responsabilidades na degradação da forma de diálogo politico interno – vide a espiral que tem vindo a marcar a presença do PM português no parlamento: começou crispado e arrogante, está já na fase do pedante sem educação (Primeiro corta a direito, depois tem tiques autoritários – este será sempre o resultado deste índice de agressividade no diálogo).

Curiosamente, esta crise interna dá-se precisamente no momento de máxima expansão da economia espanhola – crê-se, onde o país deverá mesmo conhecer um superavit orçamental. A minha questão fundamental é saber como vão reagir às dificuldades? A Espanha moderna resistiu unida com a mão-de-ferro de Franco e a luta pela Democracia. Com o grau de conforto que a população hoje conhece e podendo, a médio prazo, ver recuar esse conforto, quem irão os espanhóis culpar? Será que Castela conseguirá manter o cimento da união dos diversos reinos peninsulares? Ou será que Portugal terá mais companhia neste maciço?

Boa parte de nós estamos habituados a ouvir, desde há muitos anos, a conversa da plurinacionalidade de Espanha, sem ver surgir novos dados sobre a inconsistência do Estado; lembro porém que, quando se dão acelerações históricas, os acontecimentos ultrapassam os homens. Se fosse espanhol via os sinais como preocupantes…

FG

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

António Lança Carvalho

Este senhor não é uma figura pública e também não é um milionário filantropo. Trata-se apenas e só de um controlador aéreo que decidiu dispensar 5000 € anuais para premiar os melhores alunos dos bairros carenciados da sua Junta de Freguesia, São Domingos de Rana, em Cascais.

A história está contada nas páginas 8 e 9 do caderno 2 do jornal Publico de hoje, 7 de Novembro de 2007. Obrigado e bem-haja.

FG

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Sarkozy, África, Desenvolvimento e História; Thabo Mbeki e Umaru Yar’Adua







No dia 26 de Julho o presidente francês fez um discurso no Senegal onde, entre outras coisas, falou do facto de África nunca ter “entrado na História”, dos problemas dos africanos que implicam, o seu próprio atraso e do caminho para o Desenvolvimento (quando referiu a colonização não mostrou grande arrependimento ou trauma).

Nos dias subsequentes o presidente sul-africano escreveu uma carta de agradecimento a Sarkozy, lançando o apelo para uma cooperação entre a França e a Africa do Sul, que possibilite o renascimento do continente africano no contexto do renascimento europeu e do resto do mundo.

No último fim-de-semana o presidente da Nigéria fez um discurso em Eltville, na Alemanha, apelando a um “Plano Marshall” para África, que possibilite o renascimento do continente, rumo ao desenvolvimento. Foi salientada a necessidade de haver em África homens de Estado que, tementes a Deus, tragam outra Ética à condução dos assuntos dos Estados africanos.

Sobre Sarkozy, quer-nos parecer que a sua visão sobre história é um bocadinho etnocêntrica, maniqueísta e datada (bem longe do “Estado da Arte”). Há algumas décadas atrás, ao considerar-se que o desenvolvimento e a História eram um percurso comum (as nações estavam numa determinada fase, não desenvolvidas - em vias de desenvolvimento – desenvolvidas), que todos deviam percorrer da mesma forma.

Esta análise, decalcada a partir da experiência ocidental, peca por não conseguir enquadrar o comportamento de alguns países que passaram de “não desenvolvidos” para “desenvolvidos”, como os tigres asiáticos, e por não conseguir explicar como se atinge o desenvolvimento sem ter a experiência política adequada (demo-liberlismo ocidental), que a RP China demonstrou ser capaz de executar; por outro lado, também não consegue explicar os resultados sociais diferentes, com direitos e liberdades salvaguardados de forma diversa…

Para além de etnocêntrica, a visão de “entrar na História” tem a carga maniqueísta do “centro” e da “periferia”. Estes conceitos, bem ao gosto dos maniqueístas marxistas da América Latina dos anos ‘1970, são obtusos porque, ao simplificar-se demasiado a análise do sistema internacional, não se percebem todas as suas dinâmicas; não se conseguindo explicar, por exemplo, um fenómeno como a globalização…

Ainda que Sarkozy parta de pressupostos – em nossa opinião – errados, o discurso tem o mérito de citar a falta de autocrítica dos africanos, fundamental para uma sociedade se superar. Há em África, como em outras partes do mundo, a tendência de responsabilizar sempre, ou quase sempre, o estrangeiro pelos males do continente. Esta ideia tem já raízes antigas, entre elas a falta de auto-estima, com responsabilidades objectivas para os diversos séculos de colonização europeia; ou as teses do “afropessismismo”, em voga há alguns anos. Neste ponto Sarkozy tem razão, os africanos precisam de repensar o seu modelo, precisam de “renascer”, partindo de reflexões internas.

Este discurso pode ser analisado pela negativa, pelos pressupostos etnocêntricos (por alguma razão o presidente francês foi acusado de racismo) ou, como fez Thabo Mbeki, aproveitando a oportunidade, escreveu uma carta ao presidente francês, ignorando o que não lhe interessava, mas agradecendo a iniciativa francesa, em querer contribuir para o desenvolvimento de África.

Mbeki, pragmático, quererá aproveitar a oportunidade do discurso do presidente francês para, em conjunto com a Cimeira EU-África, de Dezembro próximo, colocar certas questões na agenda.

O discurso de Yar’Adua vai no mesmo sentido, mas partindo de um pressuposto errado. Mais uma vez a ideia de um “Plano Marshall”; voltam os africanos a surgir de mão estendida. Yar’Adua parece não ter ainda percebido que África já teve diversos “planos Marshal”, que a solução não passa por deitar dinheiro para cima dos problemas. A solução tem de ser interna, com apoio externo, evidentemente, mas com iniciativa interna. Este mendigar africano é tanto mais irritante quanto absurdo: quando se está num buraco a primeira atitude a tomar é deixar de cavar! Em vez de pedir planos miraculosos, Yar’Adua devia ter pedido para a EU e os EUA estabelecerem relações comerciais com África justas; devia ter começado por se indignar com a PAC e a Pauta Aduaneira norte-americana; poderia ter explicado que para África começar um caminho de enriquecimento (ou “desempobrecimento”) terá de desviar-se do percurso de liberalização de comércio internacional e entrar numa fase de organização interna (do Estado e das suas diversas regiões) e de acumulação pois, de outra forma, não há enriquecimento possível.

Foram duas atitudes bem diversas destes dois chefes de Estado. Mbeki, ainda que cometendo erros graves na sua RAS (onde o combate à SIDA é um desastre completo…), tem potenciado o “empowerment” dos empresários negros, procurando ter uma classe empresarial forte (que hoje tem um enorme poder no seio do ANC, onde Tokyo Sexuale surge como forte hipótese para a sucessão, ao lado de nomes como Cyril Ramaphusa – o preferido de Mandela – ou Jacob Zuma – ex-Vice Presidente de Mbeki).

África parece continuar encravada entre os líderes que olham o futuro e aqueles que se centram no passado, o tempo dos mendigos tem de acabar. A pobreza é, acima de tudo, uma condição económica, os africanos têm de ter a dignidade e a força de carácter de a combater sem complexos ou pessimismos étnicos. A atitude miserabilista do passado confinou o continente não apenas à pobreza mas ao pior dos males paea uma entidade política: a dependência, e esta é a mãe do neocolonialismo.

A Liberdade pela qual os povos africanos lutaram no passado tem uma dimensão económica fundamental, sem a liberdade económica a luta do passado foi vã e a independência política é vazia de conteúdo...

FG

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A bondade americana


A vantagem dos EUA enquanto potência (ou superpotência) reside no facto da generalidade das populações do mundo, excepto a dos inimigos, olhar o poder norte-americano enquanto uma forma de poder benigno.

A ideia desse poder benigno está assente no sonho americano, nas fundações da nação. Note-se que desde a sua fundação que os EUA são vistos como os campeões da defesa dos fracos (ainda que com a Doutrina Monroe, complementada com o corolário Roosevelt revelem uma potência em afirmação coerciva).

Parte fundamental dessa relação especial que os EUA têm com os fracos reside no facto do país ter saído de uma situação colonial; ele mesmo resulta da fraqueza, sendo o único exemplo de uma ex-colónia que dá potência – até à actualidade e no sistema moderno de Estados.

Após a II Guerra Mundial, com o conflito ideológico, parte do mundo colonizado via os EUA enquanto um aliado dos poderes imperiais, como uma nova versão deste poder tradicional “eurocêntrico”. No entanto, e com a política da “Nova Fronteira”, a maior vitoria de Kennedy, os EUA perceberam que tinham de estar do “lado certo da História”, passando a ser aliado natural de movimentos nacionalistas na Ásia e em África, repartindo o poder nos novos Estados com a ex-URSS.

Passado que está o tempo idealista da novidade das independências, e uma vez findo o conflito bipolar, os jovens Estados olham cada vez menos com admiração o poder americano – até porque a ultima década revelou-o como hegemónico, nasce a “hiperpotência”.

Aliado a uma conjuntura na qual a distribuição do poder no sistema causa temor, os EUA – na sua acção – não tem tido comportamentos adequados, por incapacidade ou ignorância, de modo a manter a aura de poder benigno.

A traição feita nos últimos anos, por uma Administração que, marcada por preconceitos conservadores anacrónicos e ignorantes sobre o mundo, teve conduta hipócrita e arrasadora da Historia norte-americana. Está por medir os efeitos que esta Administração está a causar na imagem e no poder (é isso que está em discussão, o poder que os EUA têm para impor um determinado modo de vida ao mundo) americano e, por inerência, ocidental.

Como é possível ter acontecido Guantanamo? Como é que os EUA, exemplares na maior parte dos casos de tratamentos dos inimigos, caem neste erro absurdo e, pelo que parece, com conhecimento e aprovação dos superiores?

Como foi possível que, tendo conhecimento do que se passava em Abu Ghraib, os decisores políticos americanos tenham resvalado para o absurdo? Um país cuja justiça militar se revelava implacável no tratamento deste tipo de casos, fundamental para impor disciplina e conduta nas Forças Armadas, cai nesta miséria moral?

O que passou pela cabeça das elites Republicana para permitirem que fosse elevado a Procurador-geral, cargo normalmente acessível a um indivíduos acima de qualquer reparo, um homem como Alberto Gonzales, defensor em pleno século XXI da tortura!

Por fim, e após a conduta indigna de Paul Wolfowitz, como foi possível segurar este homem na direcção do Banco Mundial – roça até a estupidez mais buçal, era objectivo que Wolfowitz ia sair, o arrastar da situação enlameou os EUA e a organização…

Estes sucessivos exemplos da hipocrisia da Administração Bush mostram o mal que estes anos fizeram à imagem dos EUA e do ocidente. Fica demonstrado à saciedade que as Democracias e os povos também se enganam…

Eu fui e sou a favor da necessidade de uma intervenção no Iraque, não uma simples deposição de regime mas uma significativa alteração nos sistemas políticos da região. A causa não é só económica, pelo petróleo (mas sem hipocrisias defendo que o mundo precisa da energia sobre a qual funciona, pelo que deve ser garantido o seu acesso), mas também de política e de segurança regional e mundial. Mas, uma vez que a Democracia é o regime da “forma”, a forma como se fez política conseguiu fazer cair em descrédito tudo o que poderia ser realizado.

Resta-nos esperar pela próxima Administração e guardar bem na nossa memória estes anos infelizes. Urge que os EUA retomem o seu lugar no palco da História.

FG

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Referendando tratados


Parece-me que Vital Moreira tocou na questão essencial mas, no entanto, isso tornou-o num simplificador…

Há, em Portugal, alguns sectores que continuam com o projecto europeu “entalado”. Note-se que a adesão à CEE marcou o fim dos sonhos imperiais com que alguns portugueses ainda se debatem. Expressões como “o nosso preto” ou a crença em que Timor deveria ser como que um “protectorado” português não são mais do que marcas singulares do “excesso de História” nacional.

Esses sectores, têm sempre algum impacto junto da comunicação social e há alguns anos atrás eram os euro-cépticos (o actual – e será que eterno??? – líder do CDS/PP é exemplo de quem soube cavalgar a onda da descrença na normalização portuguesa), hoje há ainda quem duvide do caminho integrador do “velho continente”.

Vital Moreira colocou uma questão essencial, que deveria – de uma vez – esclarecer o apoio entre os portugueses do projecto europeu. O facto é que essa questão nunca foi colocada ao povo, e tal facto inquina sempre o debate sobre esta matéria.

No entanto, e sabendo porém que este tema é de facto fundamental, a proposta de Vital Moreira é em si mesmo falaciosa, porque nos faz crer que apenas há um caminho, uma opção, uma solução, para o projecto europeu! Tal facto não é nem pode ser nunca realidade. O problema maior está em Delors que, com todos os méritos, deixou um presente envenenado com a lógica da “bicicleta”, pondo de parte os “pequenos passos” – sólidos – que permitiram fazer da CEE um sucesso.

Há que ter a devida noção de que os pequenos passos eram possíveis num sistema internacional que eram também fechado e lento, por isso muitas vezes a discussão é falaciosa, hoje esses “pequenos passos” – de que José Pacheco Pereira tanto gosta – são demasiado lentos para as realidades do mundo globalizado.

Ainda que ambas as metáforas estejam desadequadas, é necessário que haja a noção de que é necessário mudar algumas coisas no edifício institucional comunitário, oferecendo à “criatura” credibilidade fora de portas. Concordo perfeitamente com a necessidade da EU ganhar espaço de intervenção e credibilidade externa.

Acontece porém que o edifício está a ser construído sem sustentação interna. Desde que se fala da reforma das instituições comunitárias que se fala da substituição de um sistema horizontal para a verticalização do modelo, no passado o directório. Pois bem, aqui reside o mal maior desta nova mentalidade, os Estados membros deixaram de ser todos iguais para agora passarem a ser todos iguais mas havendo uns que são mais iguais do que outros… O reconhecimento do juiz polaco ou o alargamento das cooperações reforçadas são exemplos infelizes do que não se deve fazer.

Manda o realismo pensar que “o tamanho conta”, mas havia outras propostas a considerar para reforçar o peso da população, como a criação de uma segunda Câmara no Parlamento Europeu, onde fosse eleito igual número de representantes de cada Estado membro, para que saísse reforçado o princípio da igualdade – aqui se recorda que na EU os Estados cedem o seu bem mais precioso, a Soberania, para ser trocada é necessário que seja bem claro que haverá igualdade de tratamento, o que não se verifica…

O texto do tratado ainda não é totalmente conhecido, mas falta a alguns líderes europeus actuais a dimensão de Estado de alguns Homens do passado. Até alguém que, como eu, acredite na bondade do modelo, começa a ter dúvidas a respeito do percurso escolhido… (para ir mais fundo na questão esperarei por ler o texto todo).

No que respeita ao referendo, acredito que este Tratado está na linha do Tratado de Maastricht, como tal, o tempo do referendo já passou. Não é este texto que faz alterações substanciais na arquitetura da UE, pelo que, em minha opinião, não é necessário obter o acrescento de legitimidade que um referendo popular confere, mas compreendo a posição dos que o pedem; compreendo mas não concordo.

FG

ps – Quero elogiar a posição do Joao Bosco Mota Amaral que, como sempre o fez na sua vida política, mesmo sabendo que está em minoria, não se abstém de dar a sua opinião, nunca se escondendo nunca do debate construtivo.

ps2 – É absurdo pensar que a Polónia, por pretender defender o seu interesse nacional esta a atrasar o processo europeu. A França fá-lo com esse absurdo chamado PAC e a Inglaterra está agora mesmo a fazê-lo tentando minar a Conferência EU-África.

Angola no arco estratégico internacional


Há alguns anos atrás corria livremente a ideia de África estar desestrategizada, fora do arco de interesse internacional – foram os anos do comércio livre e do início da Globalização; África, fora dessas preocupações mais nobres, combatia pela sobrevivência…

Com as potências emergentes, RP China e Índia, com maior incidência da primeira, África volta a “contar para contas do mundo”. Como na era pós descolonização, quem pode correr pelas riquezas do continente fá-lo sem dó nem piedade!

Após a morte de Jonas Savimbi Angola entrou num período de estabilização interna, que provocou (com o interesse que as riquezas naturais do país despertam) enormes taxas de crescimento económico. Hoje Angola, muito dependente das suas indústrias extractivas (não que seja problema, desde que se use o dinheiro da riqueza natural para conquistar o futuro…), conta muitíssimo na corrida a África.

Eu aposto na minha província, Benguela. Dois equipamentos, Caminho-de-Ferro de Benguela e o Porto do Lobito, tornam esta província como alavanca de desenvolvimento não só da Província ou do País mas de toda a região. Uma vez operacionais, estará aberta a linha privilegiada para saída de matérias-primas ou produtos agrícolas do interior da região austral do continente, potenciando toda uma zona que está afastada da realidade global.

Há alguns dias estava a ver o noticiário na CNN e vejo o principal patrocinador, a Agência Nacional de Investimento em Angola e hoje estava a ler a “africa investor” de Setembro/Outubro quando vejo que a publicidade na contracapa é da… Sonangol! Definitivamente, Angola está na moda…

FG

Um desígnio para Portugal


Luís Amado, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, deu uma entrevista ao Correio da Manhã de Domingo passado, 28 de Novembro de 2007, onde, para além dos temas mais actuais, como o novo Tratado da União Europeia e a possibilidade deste ser referendado, falou de uma questão verdadeiramente importante, o desígnio nacional.

No início deste mandato José Sócrates deu uma entrevista a um jornal espanhol (não sei se ao El Mundo ou El Pais) no qual dizia as três prioridades da Politica Externa Portuguesa: Espanha, Espanha e Espanha. Quando li o que o PM disse fiquei com noção do que por aí vinha: alguém que não tem mínima noção do lugar de Portugal no Mundo; não faz dele má pessoa, apenas implica que o chefe de governo do país não conhece quer a História do país quer os movimentos da Política Internacional (talvez até faça dele uma pessoa mais próxima do povo indígena, pois este também não percebe da poda…).

Para completar o quadro, foi escolhido para MNE no início do mandato um indivíduo, académico de elevado perfil, cujo pensamento “utopista” nas Relações Internacionais implicava custos reais para Portugal. Diogo Freitas do Amaral tem conhecimento da Historia do país (quem serei eu para julgar, neste aspecto, um individuo com o seu peso académico e percurso político) e da realidade internacional, mas retira deles um raciocínio com o qual eu não posso nunca concordar.

Assim, a troca de chefes do ministério parece ter sido um importante ajuste nas Necessidades. Saiu um homem com peso de Estado e com um papel importante na construção da Democracia em Portugal, mas com uma visão enviesada em relação ao posicionamento tradicional do país, para dar lugar a um ministro com perfil bem mais discreto mas com pensamento realista, próximo do euro-atlantismo típico de Portugal.

Esta questão pode ser, para um observador menos atento, um “fait-divers”, mas ela é a questão central na governação de um país: a definição de um modelo, de uma Estratégia nacional.

A grande pecha do país passa, em minha opinião, pela inexistência de uma Estratégia, um modelo. Na verdade a situação não será assim tão estranha: após o 25 de Abril era relativamente fácil indicar um desígnio ou um objectivo (daí a lógica dos 3 D´s…), a democratização e a adesão à, então, CEE eram então objectivos.

Abre-se um parêntesis para a questão da adesão à CEE. Este dado novo, da aproximação ao “mainstream” europeu, prefiro colocar o acento tónico no “mainstream” porque, ao contrário do que algumas cabeças (pouco) pensantes do nosso país indicavam, a Ditadura portuguesa tinha uma posição para o contexto europeu, mas numa lógica pré-II Guerra, tradicionalista, como tal, preferiu, até porque a 2ª opção não lhe seria permitida, a EFTA à CEE. Assim, o membership na CEE-UE é, antes de mais, o retorno à exiguidade continental europeia após meio milénio de desejo e prática imperial portuguesa, invertendo assim a lógica de afirmação do país.

Conseguido o ingresso na lógica ocidental europeia – democracia e integração na CEE – a muito custo foi desenvolvida uma Estratégia nacional, ou nunca verdadeiramente o foi.

A verdade é que as insuficiências tradicionais de Portugal, a que se deve somar os resultados catastróficos para o tecido económico português da experiência revolucionária, retiraram campo de manobra à definição de tal estratégia: a internacionalização da economia portuguesa a muito custo foi feita (os grupos económicos portugueses estavam desfeitos e, como tal, o país descapitalizado); o espaço de afirmação tradicional, o mundo lusófono, tinha demasiados problemas internos para ser, efectivamente, um parceiro nessa estratégia (a que se juntam os complexos de ex-colonizador e ex-colonizados); as oportunidades concedidas pelos fundos de coesão foram – genericamente – mal aproveitadas (com dinheiros gastos entre Range Rovers, Ferraris e casas no Algarve); e, quando efectivamente o regime estava maduro, o país conheceu um governo que, em minha opinião foi trágico na praxis política, o de António Guterres.

Foi um período decisivo para a construção do sistema internacional do pós guerra-fria; para o inicio do ultra competitivo modelo da globalização e, o que foi feito nesse período? Zero em matéria de adaptação do modelo do Estado do pós-Keynesianismo (a adaptação do modelo social a novas realidades); e, Zero em educação (salvou-se a estratégia do caminhar para o Brasil que teve alguns sucessos mas que, infelizmente, retirou os olhos da África portuguesa – excepto em Cabo Verde – pondo em causa a entrada, em tempo útil, em mercados fundamentais para a internacionalização da economia nacional).

Efectivamente foi aí que se pôs em causa este início de século XXI, porque os ajustes devem ser executados em tempos de crescimento económico, Portugal tem tido de cortar em tempos de pobreza – o que se tem revelado custo significativos sobre a população menos afortunada.

Luís Amado diz agora que o desígnio de Portugal é o mundo, um revivalismo do império luso de séculos passados, para tem razão. A força de Portugal é a diáspora a capacidade de explorar os laços criados ao longo do seu período de construção do “excesso de História” (nos termos de Eduardo Mondlane). Para tal, Portugal precisa de procurar manter a proximidade entre as elites lusófonas; o nosso desígnio deve ser também o desígnio desses povos. A relação não é entre metrópole e colonizados; nem de lógica neoimperial – lembramos que no caso concreto do Brasil e Angola falamos de duas potências regionais decisivas nos seus contextos que facilmente encontram parceiros ávidos de “special relationships”.

A força de Portugal reside na sua natural inclusão no seio da EU e na correcta exploração das suas especificidades neste contexto. O nosso mercado preferencial de expansão económica será o conhecido, Africa lusófona, Brasil Timor e Macau (os dois últimos garantem acesso à zona do Pacífico e à China); tal não implica deixar de olhar para outros mercados, implica, antes de mais saber aproveitar as oportunidades (o mercado ibérico é uma realidade mas, na maior parte dos casos, o tempo gasto a entrar em sectores estratégicos espanhóis é tempo perdido – é conhecido o proteccionismo do vizinho espanhol…).

Esta Estratégia não pertence só ao Governo, deve ser construída em acordo dos diferentes partidos do arco da governação (não vejo o BE ou o PCP a fazerem parte desta realidade…) com o empresariado português, de outra forma não resulta. Implica acordo também com as elites dos países lusófonos, não podemos acreditar que é um jogo em que apenas Portugal retira dividendos, os frutos devem ser colhidos por todos ou não funciona

FG

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

As novas realidades do Estado-nação


Os tempos não estão fáceis para o agente Estado. O advento das políticas neoliberais na década de ‘1980, o fim da Guerra-fria, o eclodir da globalização e, mais recentemente, o terrorismo apocalíptico e sequente “desterritorialização” dos conflitos são sintomas da mesma crise: a pós-modernidade implica fortes mudanças no comportamento do Estado.

Saído do Tratado de Vestefália de 1648, o Estado-nação é a entidade política típica da era Moderna: igualdade soberana no plano internacional, e monopólio da violência assegurada ao príncipe. Ainda que não tivesse, num primeiro momento, garantido a estabilidade na Europa, a “invenção” do Estado permitiu criar as condições internas para o fim do feudalismo medieval, e garante o sistema europeu de Estados do século XIX – após as ideias da Revolução francesa estarem devidamente espalhadas pelos exércitos napoleónicos – com as sucessivas vagas revolucionarias na Europa.

Sempre em transformação, no pós II Guerra Mundial as teses sociais-democratas batem as neoliberais na fundação do verdadeiro primeiro sistema internacional, após Bandung e a década de ‘1960 em África (com direito a prolongamento na África colonial portuguesa e no Zimbabué) – disseminando o “Welfare state” pelo mundo ocidental.

Quando o ocidente está a ser ultrapassado pela então União Soviética, há um momento que poucas pessoas recordam no qual a URSS usufruía de um modelo atraente que garantia melhores índices de crescimento económico do que o modelo ocidental.

Por essa razão Reagan e Tatcher impuseram sérias reformas no “Welfare state”, provocando o primeiro recuo no Estado social desde a II Guerra, retomando algumas teses neoliberais, entretanto caídas em desuso.

Este primeiro encolher das tarefas do Estado, é verdadeiramente disso que estamos a falar, sucede com o período da explosão do poder das empresas Multinacionais (ou transnacionais), estas empresas não são uma novidade, mas aparecem agora com outra escala porque o fim dos impérios europeus oferece-lhes novas oportunidades de negócio que um Estado forte não concederia.

O ganho de poder dos actores multinacionais ou transnacionais e o recuo do Estado são, objectivamente, fenómenos paralelos – sujeitando o Sistema Internacional a uma forte alteração de paradigma do modelo “estatocêntrico”.

Também no pós-II Guerra dá-se o crescimento do fenómeno das Organizações Internacionais (surgindo, mais tarde, as Organizações Não Governamentais – que vêm cumprir tarefas dos Estados que, pelo seu recuo ou por inércia, estes não conseguem desempenhar), cedendo os Estados, muitas vezes, o seu atributo fundamental, Soberania – com a CEE/EU como expoente máximo da nova realidade do Estado enfraquecido, recua mais onde mais está amadurecido o modelo.

Ainda que enfraquecido em alguns aspectos e tarefas, e convivendo com outros actores no Sistema Internacional, o Estado – devido ao enclausurado da Guerra-fria – foi, apesar de ir perdendo poder, o elemento central da 2ª metade do século XX.

Com o desanuviar do ambiente internacional, o advento da globalização e o terrorismo apocalíptico, também no Estado podemos falar da pós-modernidade.

Mas a verdade é que estes actores que implicam a pós-modernidade no sistema internacional estão, quase sempre dependentes do poder do Estado, ou neles se alavancam… As grandes empresas ou corporações não sobrevivem sem os Estados de origem; aliás, para terem – de facto – sucesso, são parte da estratégia de afirmação nacional, elementos do soft power…

A “desterritorialização” dos conflitos armados é também uma falácia; acontece que há entidades que não são parte integrante de um Estado (a al-Qaeda é o membro mais notável desta categoria), mas apenas subsistem porque há Estados que, ou por serem verdadeiramente párias no sistema ou porque não são capazes de deter o monopólio de violência no seu interior, dão cobertura a essas organizações.

Por fim, o elemento que mais ameaças oferece ao Estado moderno é a Globalização. Nunca como antes o mundo conheceu um movimento tão “igualizador”, como diz Friedman, o mundo está plano – da nossa parte, ainda que não totalmente, para lá caminha. Este esbater de diferenças entre as realidades internas das diversas entidades politicas implica o questionar do porquê da existência de alguns Estados, desequilibrando decisivamente alguns equilíbrios regionais. Este movimento de integração económica (e política) e de perca de Soberania, conduz a um rápido (re)aparecimento de entidades regionais e, necessariamente, desagregação dos Estados e agregação em blocos, os movimentos integradores – um pouco por todo o mundo – são causa e consequência deste facto.

Nada disto é novo, temo-lo visto na Europa desde o final da Guerra-fria, com os riscos por todos conhecidos. Se em alguns casos apenas se fez a desmistificação de Estados irreais, sem vontade comum de continuarem juntos, a globalização tem um efeito catalizador em todas estas realidades, cujo impacto só daqui a muitos anos poderá ser efectivamente medido.

Por mim, ainda acredito que o Estado está a recuar para mínimos perigosos (como o episódio Blackwater no Iraque tão bem demonstrou), por enquanto, ainda não me parece haver entidades políticas mais ajustadas do que esta, mas as coisas não estão fáceis. A resposta verdadeiramente não estará para breve, este início de século XXI parece implicar substanciais alterações nos modelos de organizaçao política interna, de relacionamento internacional, nas tarefas dos Estados e na distribuiçao de riqueza interna e internacional. Será bom estar por cá sendo testemunha e, se possível, actor...

FG

terça-feira, 23 de outubro de 2007

A nova Polónia


As eleições polacas do último fim-de-semana trouxeram uma boa novidade para o mundo, especialmente para os polacos. Dos tenebrosos gémeos Kaczyński já só sobra o presidente.

Estive pela primeira vez em Varsóvia em 2003, fui falar à Universidade de Varsóvia sobre Angola. Ainda que o ambiente que frequentei não seja o mais exemplificativo do cidadão médio polaco – andei entre investigadores, docentes universitários e diplomatas – encontrei uma cidade a duas velocidades, com sinais de crescimento do mercado (com comércio e escritórios novos por todo o lado) e um lado de exclusão social bem visível. No entanto, o gap social não era evidente, poucos sinais exteriores de riqueza (uma semana, um porsche).

Este Verão voltei à Polónia, estive com a minha mulher em Varsóvia e Cracóvia. Senti um país bem diferente, mais triste e desiludido (é incrível como 4 anos podem alterar tanto o pulsar de um país); sinal dos 2 milhões de polacos (na sua maioria quadros qualificados) que abandonaram o país nos últimos anos. O crescimento da cultura capitalista é objectiva, centros comerciais a granel e lojas de grandes marcas proliferam da Nowy Swiat à Praça das Três Cruzes. Se há 4 anos vira 1 porsche numa semana, agora vi 6 no primeiro dia… rapidamente deixei de contar!

Assisti à greve das enfermeiras, mais de duas semanas, sem terem qualquer resposta do governo para o aumento do seu ordenado de pouco mais de 200 € mensais (pouco menos que dos médicos que fogem para a GB e Suécia); fui apanhado no meio de uma festa nacionalista, patrocinada pelo partido no poder, onde se cantavam músicas contra o invasor teutónico e contra os russos… o ambiente da cidade era de facto muito estranho.

Ainda que, mais uma vez, não tenha andado muito por entre o “average polish”, não encontrei ninguém que, fora daquele circo nacionalista, votasse no partido no poder. De taxistas a guias turísticos, estudantes a professores, ninguém elogiava o governo. Se a este facto juntarmos os mais de 30% que obtiveram, tal indicia um forte divórcio entre a cidade e a zona rural; se não encontrei ninguém que votasse nos gémeos, como se explica que tenham obtido 30% dos votos?

A este divórcio entre as várias polónias temos de juntar a chaga que os governantes abriram na história recente do país. Viveu-se nos últimos anos um ambiente de perseguição política aos “colaboradores” do antigo regime, como se fosse possível um regime existir se totalmente afastado das suas elites… A Polónia, no lugar de fazer as pazes com o seu passado foi obrigada a abrir brechas derivadas da visão maniqueísta e retorcida de quem a governava.

A Polónia é um país tremendo, com uma história rica no centro da Europa, talvez o mais subavaliado da Europa. Tem um potencial humano e cultural riquíssimo, onde todos estudam, a cultura é acessível e onde apenas parece faltar ajustar o fato aos tempos moderno. A saída de cena de um dos manos Kaczyński é uma notícia positiva para o país e para a Europa, é tempo do país fazer as pazes com o seu passado

FG
ps- quero deixar claro que discordo dos que criticaram o presidente polaco por este ter defendido, como fez, o interesse polaco. A defesa dos interesses fundamentais de um Estado deve servir para a Alemanha, Polónia, Portugal ou Luxemburgo. Ainda que discorde das posições de princípio do senhor, não aceito que lhe seja recusado o direito da defesa do seu interesse nacional.

Um Nobel idiota


No número 1 da revista Foreign Policy em Portugal está um artigo interessante de Alvaro Vargas Llosa denominado “O Regresso do Idiota” (não tenho a certeza ser este o nome porque tenho o original em inglês, pelo que qualquer inexactidão dever-se-á à minha inabilidade para a tradução). Esse artigo, essencial para quem como eu, teme os líderes populistas sul-americanos, expõe ao ridículo alguns laureados com o prémio Nobel (Stiglitz ou Saramago, por exemplo) pelo apoio que dão a alguns líderes daquele hemisfério.

Ganhar o Prémio Nobel é um feito notável, muito embora a política interferira, demasiadas vezes, com as decisões do Comité – sempre dependente do politicamente correcto.

Se é aceitável que nas categorias políticas e/ou culturais surjam algumas escolhas controversas, o mesmo não se verifica em categorias eminentemente científicas, como é o caso da medicina, que atribuiu ao notável cientista James Watson esse prémio no longínquo ano de 1962. As declarações de James Watson são, por essa mesma razão, um marco de imbecilidade neste início de século XXI.

No entanto, o desenterrar do racismo e da superioridade étnico-racial branca sobre os negros (no caso concreto, porque qualquer tentativa de demonstrar a superioridade dos povos é severamente estúpida), trouxe luz sobre uma importante questão: acreditamos quase todos que a educação é a chave para um mundo melhor; James Watson é do mais educado que existe neste planeta e… veja-se o resultado!

A tentativa de criar seres quimicamente e biologicamente perfeitos é tão humana quanto desumana: humana porque o a busca pela melhoria e desenvolvimento individual – e colectivo – é incessante, desumana porque as imperfeições também fazem parte desta espécie. Aliás, é a tolerância para com essas imperfeições (em termos e doses razoáveis…) e para com diferenças entre indivíduos e modelos sociais que permite a convivência entre pessoas e povos.

Devemos todos a Watson um grande muito obrigado para nos lembrar que o carácter das pessoas não se mede só pela educação que se possui; as respostas não estão todas disponíveis na ciência, muito felizmente. Por isso percebo porque alguns pedreiros ou lavradores portugueses se comportavam melhor para com os povos indígenas colonizados do que alguns Governadores provinciais, simplesmente porque eram capazes de reconhecer o relacionamento humano que os aproximava, coisa que gente como Watson, por muito que busque nas profundezas das suas estatísticas, nunca verdadeiramente encontrará.


FG

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Remédios lusos


A entrevista de Pinto Monteiro ao semanário Sol de 20 de Outubro é mais uma típica conversa à portuguesa!

Os portugueses são excelentes a detectar as anomalias do sistema: Catalina Pestana esteve à frente da Casa Pia e percebeu que as redes de pedofilia estavam activas, calou-se bem caladinha, falou no fim; Pinto Monteiro tem nomeado gente a granel na Procuradoria, criticando agora o sistema feudal da instituição que, pasme-se, ele lidera.

Desculpem lá mas não há paciência! Semana sim, semana não, aparece um ex- qualquer coisa (no caso de Monteiro é pior porque ainda lá está) a criticar o funcionamento de qualquer coisa no país; quando a questão fundamental é perceber porquê que quando por lá andaram não fizeram nada?

Manuela Ferreira Leite é vendida aos militantes do PSD e ao comum cidadão como uma mulher acima de qualquer suspeita, de perfil elevadíssimo e de capacidades extraordinárias; será que estou enganado mas não foi ela Ministra da Educação e Ministra das Finanças? Em que estado estão a Educação e as Finanças Públicas em Portugal? Qual o trabalho estrutural que na sua passagem por aquelas pastas foi feito?

Anda por aí muito declamador de panaceia com frases feitas para salvação nacional que teve a sua oportunidade! Fazem-me lembrar aquele indivíduo que tem uma amante e que diz que o casamento dos homossexuais vais destruir a instituição do matrimónio; ou os advogados que, nas orais da ordem, avisam os estagiários (examinandos) para a crise em que vive a advocacia – os que estão de fora do sistema ou os recém chegados são que têm que ouvir isto? Bem prega Frei Tomás…

A verdade é que os políticos portugueses, bem como as elites portuguesas em geral, são muito mal preparados; procuram soluções com sucesso em outras paragens (como esta flexisegurança) não percebendo que o caminho de Desenvolvimento não é uma recta com um ponto de partida e um ponto de chegada, não é um percurso histórico de não desenvolvimento para desenvolvimento. O Desenvolvimento faz-se através da construção de modelos apropriados para as sociedades em que se deverão aplicar.

Há alguns anos era a Irlanda, depois passou a ser a Dinamarca, antes era o modelo da educação da Suécia. Na verdade os decisores políticos nacionais são quase sempre mimos, que copiam modelos de sucesso no estrangeiro para aplicação na pátria indígena. Esta situação também se deve ao facto do modelo político estar bloqueado, o velho centrão.

Desculpem-me os que comigo discordarem mas Portugal teve, desde o 25 de Abril dois Primeiro-ministro com visão estratégica do sistema político nacional: Francisco Sá Carneiro e Aníbal Cavaco e Silva. Ambos procuraram, inteligentemente, a bipolarização do sistema, criando dois pólos aglutinadores capazes de se confrontarem e gerarem alternativas de poder, de governo e de desenvolvimento.

Este foi o maior fracasso destes governantes, que só com a introdução de círculos uninominais pode ser ultrapassado, de outra forma caímos na latinização do nosso sistema político onde o PSD e o PS (mais algum CDS, PP não…) se protegem, criando o bloco central e impedindo a verdadeira criação de alternativas.

Na verdade esta nuance do sistema político poderia nem ser necessária se fossem criados grupos de estudo e think thanks capazes de fornecer inteligência, matéria-prima para, uma vez no poder, ser aplicada à governação nacional. Os políticos de pequena dimensão desprezam estas coisas, porque o importante é lá chegar, depois logo se vê – depois cai-se no abismo do vazio de ideias e governa-se à vista, dependente de marés positivas da conjuntura internacional.

A minha maior esperança para Menezes é efectivamente o Grupo de Estudos Nacional e o Instituto Francisco Sá Carneiro, onde se possa desenvolver trabalho intelectual e preparar a próxima governação do PSD, com ideias e modelos pensados para este país, não com cópias preguiçosas de experiências exógenas.

FG

Confiança

Paul Krugman escreve hoje no NY Times um artigo muito interessante sobre a crise do subprime nos EUA (ignorando as críticas a Greenspan, porque essa é a espuma da cerveja), onde explica que a crise maior desta crise é a “crise de confiança”.

O maior problema da introdução da desregulamentação no mercado é a gulodice dos liberais, que tendem para ir sempre um pouco longe de mais. Krugman compara a confiança nos mercados à confiança no talho, não sabemos a qualidade da carne, confiamos em quem a vende, não sabemos a estabilidade de quem nos faz a hipoteca, confiamos

A confiança funciona bem até estar abalada, depois é como a virgindade…

Em Portugal temos uma instituição financeira que vive numa crise de confiança profunda: o BCP.

As notícias que vieram a público nos últimos meses são perturbadoras: os administradores têm rendimentos imundos para a realidade nacional (fala-se em 5 milhões de € para o CEO!!!), os altos quadros do banco usam os recursos para viagens particulares e, agora, detectaram-se promiscuidades entre administração e familiares e amigos.

Aqui se lembra que esta instituição cresceu porque transmitia uma imagem de dinâmica aliada a dimensões de credibilidade e rigor que ofereciam confiança a depositantes e investidores. Hoje o BCP é um saco de gatos onde ninguém se entende e onde as lutas de poder ainda que não afastem o pai fundador derretem a imagem da instituição.

A quem interessa a manutenção do status quo no banco, para além de quem usufrui de tais rendimentos e do La Caija?

FG

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Aznar e Bush e o posicionamento de longo prazo de Portugal

As noticias saídas nos últimos dias no El Pais comprometem seriamente Bush e Aznar e na preparação da Guerra do Iraque, e na justificação desta enquanto guerra justa, ou “justificável”.

No entanto, e se Aznar sai mal da fotografia, enquanto líder calculista e cínico há algumas coisas que devem ser ditas em relação à posição portuguesa naquele período histórico.

Em primeiro lugar devemos olhar o posicionamento diacrónico de Portugal e perceber que, desde há alguns séculos, Portugal é o aliado preferencial da potência marítima do sistema no maciço peninsular.

A alteração que Aznar estava a fazer, de colar a Espanha à potência marítima do sistema (posição que os EUA, incontestavelmente, representam hoje), significava um risco para Portugal, obrigando-o a repensar uma estratégia diplomática secular, situação que empurraria o país para uma exiguidade cada vez maior – sem particularidades distintivas da realidade peninsular e europeia – e, consequentemente para a insignificância política.

Neste quadro, nada mais restava a Barroso do que afirmar a posição tradicional portuguesa, colando-se aos EUA e Grã-Bretanha, e garantindo a posição tradicional. Assim, parece-nos justo afirmar que a posição do governo de Portugal naquela data foi além de correcta e a única possível.

Por fim, recorda-se que segundo alguns dirigentes do PS Barroso tinha posto em causa o consenso da Politica Externa do período democrático, quando na verdade, o que estava efectivamente em causa era o posicionamento secular de Portugal no mundo, posicionamento esse que algumas pessoas ou não percebem, o que é triste se ponderarmos as posições que ocupam, ou ignorante, o que se revela da maior grandeza pois não há tragédia maior do que aliar a ignorância ao poder…

FG

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Dia Internacional da Paz



É irónico como no dia em que se comemora a paz o Conselho de Segurança poderá ter uma das reuniões mais importantes desde o final da Guerra-fria.

Como não acredito que um homem com o passado e o conhecimento da política internacional de Bernard Kouchner seja irresponsável ou incendiário, só posso depreender que, quando não excluiu nenhuma hipótese para a situação do Irão, queria pressionar a Rússia e a RPC.

Para dourar a pílula parece que aconteceu “qualquer coisa” entre Israel e a Síria no dia 6 de Setembro. Curiosamente não está claro o que terá acontecido, para além de saber-se que a força aérea israelita sobrevoou espaço aéreo sírio. O que é mais curioso é que não há grande alarido de nenhum dos lados, o que indica que a coisa foi mesmo séria.

FG

Dalai Lama & Robert Mugabe: os visitantes indesejados…

A visita recente do líder do Tibete e a possível visita futura do Presidente do Zimbabué causaram algum mal-estar em alguns dos portugueses bem-pensantes.

Estas duas criaturas, ainda que em pólos opostos no pensamento e na praxis politica (pelo menos nos últimos anos, até há uma década atrás Mugabe era um campeão da Governação…), representam o exemplo claro do paradigma de acção das Necessidades desde há muito tempo.

A política externa portuguesa baliza-se dentro do paradigma realista. Fá-lo, que me lembre, desde sempre – com algumas nuances mas sempre com o mesmo pendor realista.

Sem entrarmos por raciocínios intelectualmente profundos sobre o realismo, neo-realismo ou estruturalismo – que nada servem para esclarecer este caso, o facto é que Portugal pauta-se nas suas Relações Internacionais pela promoção do seu interesse nacional, sem estar preso a um realismo do tipo de Morgenthau, porque fazemos parte de OI´s em que oferecemos soberania ou porque aceitamos regulação pelo DIPu.

Portugal pretende, de acordo com o que transpareceu da última visita de Ana Paula Vitorino à China (RPC), usar Sines como uma das portas dos produtos chineses na Europa ocidental; e, do que se depreende do que disse Pinho, pretende também captar na RPC um investidor externo de futuro (naturalmente a RPC não vivera ad eternum e ad nauseum de exportações…). Se nas prioridades portuguesas está um relacionamento privilegiado com a RPC, ate porque Macau pode ser muito importante para o país, esperava-se uma decisão diferente? A resposta é relativamente óbvia: claro que não!

A situação de Mugabe toca no mesmo ponto. Há alguns anos, tinha Portugal a presidência da OSCE, Martins da Cruz, então MNE, defendeu a vinda do Presidente Bielorrusso – o que se revelou fundamental para o processo de pacificação interna… A verdade é que Mugabe é o único interlocutor viável do Zimbabué (independentemente dos motivos para tal circunstância), além de presidente, secou a cena politica do país. Dado que alguns países fundamentais da região (que no caso de Angola é um país crucial para Portugal) dizem não querer assistir à Cimeira se Mugabe não vier, qual a opção que nos fica? O Foreign Office põe o acento na lógica dos direitos humanos e da governação, mas trata-se apenas e só de interesse inglês e, perdoem-me os mais generosos, Portugal, e os restantes 25 países membros da EU não podem ser condicionados pelo interesse nacional britânico. É a Inglaterra que deve engolir o sapo e perceber que já não é a potencia que define o sistema internacional, David Miliband deve colocar o Foreign Office à sua dimensão de presente e futuro, não há do passado.


Claro está que estas teses valem para a estratégia (ainda que pouca) da Politica Externa portuguesa. Se Portugal fosse um país nórdico, com índices de produtividade fantásticos e não precisasse de receber investimento chinês (ou precisasse menos) e não tivesse o passado e os interesses que tem em África (como espaço fundamental de internacionalização da economia e como interlocutor privilegiado de Africa na Europa) poderia ter uma politica externa assente em princípios distintos. Poderia fazer uma abordagem mais idealista, de quem está satisfeito com o grau desenvolvimento que possui, que defende valores universais e fazer diplomacia pública, desenvolvendo uma capacidade de atracção junto das opiniões públicas ocidentais como pais de excepção.

Por esta razão, pelo facto de ceder ao Dalai Lama era, e ceder aos ingleses será, trair a estratégia da política externa portuguesa, sou bem favorável à decisão de manter o Dalai Lama (um encantador senhor) no lugar da admiração privada; e, de pressionar toda a EU para em conjunto percebermos que África é um barco que está a passar depressa. A RPC há já alguns anos que faz uma cimeira anual com os líderes do continente, os EUA estão a começar a acordar para o mundo de possibilidades, urge que a EU saiba ganhar vantagens juntos dos líderes africanos.

FG

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Notas sobre o Zimbabué


Durante os últimos dias falou-se do “caso Mugabe” na comunicação social portuguesa.

Na sexta-feira Vasco Pulido Valente, no Público, criticou a opção do governo português em não alinhar com o governo britânico e permitir a entrada de Robert Mugabe em Portugal, na Cimeira Europa-África.

No Sábado foi José Cutileiro, no Expresso, que falou em Mbeki empurrar Mugabe a sair do poleiro.

No primeiro caso acho curioso que a posição realista de Portugal seja posta em causa: então 26 países europeus devem vergar-se à Grã-Bretanha em relação ao Zimbabué e assim pôr em causa a posição da EU no continente? No momento em que a RPC ensina ao mundo como se promovem relações privilegiadas com o continente africano (com o mínimo de ingerência nos regimes e retirando a moral do campo político), a UE deve ser prejudicada porque a GB, numa descolonização exemplar à portuguesa, não foi capaz de gerir aquele dossier? I dont think so! Sinal mais para os decisores das Necessidades.

No segundo caso concordo em parte com Cutileiro. O ambiente político zimbabueano está absolutamente fragmentado e poroso, a caminho de um desastre (que não se sabe bem se não terá já acontecido), pelo que soluções internas… nem pensar! É preciso obter uma resposta regional e a República da África do Sul (RAS) é um actor essencial para obter essa resposta. No entanto, Mbeki sabe que Mugabe é um homem com prestígio, capaz de conseguir aliados regionais, o que deixaria a RAS no ingrato papel de se opor a um herói do movimento descolonizador para fazer o jogo dos ex-colonos. Lá ficaria o país isolado (mais uma vez), pondo em causa anos de trabalho de Mandela e Mbeki na legitimação do novo regime da RAS.

A solução será convencer Mugabe a retirar-se, andamos nisto há 8/9 anos e não há meio do homem sair pelo seu pé. Para tal seria necessário que RAS e Angola se unissem nessa pressão, mas como os países se defrontam no lugar de potência regional, com Angola a surgir como underdog mas com uma enorme capacidade de projecção de poder e com um prestígio junto dos vizinhos que a RAS ainda não tem (o Apartheid deixou marcas muito difíceis de limpar). A chave da saída de Mugabe só poderá ser Angola; a RAS já deu a entender o que defende, mas não parece capaz de o impor, só com Angola o nó se desfaz e João Miranda mostrou há alguns meses que Angola está com Mugabe.

Efectivamente, a cimeira EU-Áfica poderá ajudar ao desbloquear desta questão, mas muito passa pela aproximação de Angola às teses sul-africanas. Mas, dado que Angola não parece ter muito a ganhar com tal aproximação, o novo regime de Harare será sempre próximo da RAS, enquanto a manutenção de Mugabe aparece sempre internacionalmente como causa de embaraço e demonstração de impotência da RAS, Luanda está confortável.

FG

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Mugabe e os brancos


Em 1979 fechou-se o ciclo de um determinado tipo de colonização em África, o ciclo da ocupação europeia de territórios naquele continente (o caso da África do Sul é distinto, os Boers, ainda que brancos, estão em África há já alguns séculos) .

Em 1979 assinaram-se os Acordos de Lancaster House, no Reino Unido, que decidiram a independência do Zimbabué, até lá Rodésia do Sul. Nestes acordos houve uma questão fundamental que ficou em banho-maria durante 20 anos: a posse da terra – talvez a mais importante em África. O governo ficou com algumas quintas, que deveria exploraria em regime colectivo, e os agricultores brancos ficaram com outras, que exploraram de forma privada.

Abre-se um parêntesis neste texto para explicar que o líder do ZANU, Robert Mugabe, ganha para sempre um élan especial, por ser parte da geração de políticos que deu a independência a África, terá sempre a admiração e o respeito dos pares.

Até ao final da década de ‘1990 o Zimbabué é visto como um exemplo de boas práticas e de desenvolvimento: o celeiro de África; e, Robert Mugabe respeitado enquanto líder africano de referência, também fora do continente.

Em 1999 começam os problemas, Lancaster House empurrou com a barriga a questão do acesso à terra. Em África todos têm acesso a trabalhar a terra, se alguém precisa de um pedaço de terra para trabalhar, pode fazê-lo, mas não pode ter a sua posse e os seus filhos não a podem herdar. A questão da posse é complexa, para os padrões ocidentais, porque no ocidente o estuto social advém, em grande medidada, da posse de determinados bens; em África há uma inversão destes factores: o estatuto social com que se nasce possibilita o acesso a certos bens, concretamente a terra.

Para percebermos a dificuldade do "estranho" ter acesso à terra vejamos umcaso concreto na vizinha República Democrática do Congo (RDC). Durante o século XIX, após uma série de lutas internas no que hoje é o Ruanda, alguns tutsis fugiram do seu território original para se instalar numa zona da actual RDC, mais concretamente na província do Kivu norte, na região de Mulenge. Essas pessoas ficaram conhecidas inicialmente como banyaruanda (“povo do Ruanda”, porque se integravam entre as que falavam a língua do Ruanda, o Kinyaruanda) e não tinham (como hoje não têm) acesso à posse da terra, podem trabalhá-la mas não a podem possuir (isto é, não a podem vender e não pode ser herdada pelos seus descendentes). Esta questão é normalmente discutida pelos líderes tradicionais, na organização do poder tradicional da RDC há três níveis, a posse da terra é discutida no segundo nível e, dado que estas pessoas só têm acesso ao primeiro nível, não têm sequer oportunidade de colocar as suas questões da terra à discussão. A luta pela terra desta etnia origina que, nos anos ‘1970, tenham surgido, quase por geração expontanêa, os banyamulenge (até esta década não se encontram referências a este povo, ele não existia nos registo coloniais belgas), povo de Mulenge, tentando a integração total na organização tradicional congolesa, deixando de ser vistos como estrangeiros. No entanto, tal nunca sucedeu. Como consequência nunca foi pacificada a situação etnico-tribal no Kivu e este foi sempre um povo pária na RDC, sendo conhecido o seu papel fundamental na I Guerra Civil do Congo, em que são aliados cruciais de Laurent-Désiré Kabila na tomada do poder de Kinshasa.

A mesma questão se coloca no Zimbabué. Se na RDC os banyamulenge não conseguem aceder à posse da terra, após mais de um século (segundo alguns autores mais tempo ainda) de instalação no local, como se pode considerar que a situação dos brancos no Zombabué, com todo o peso hiostórico inerente, se resolveria em 20 anos? Mugabe está a jogar a sua manutenção no poder, de acordo com os padrões ocidentais, como não podia deixar de ser – até porque é líder de um Estado neocolonial, herdeiro da colonização branca de África, agarrando-se à mais importante questão africana para ter o apoio dos zimbabueanos.

A desgraça do Zimbabué nasce da herança de um Estado neocolonial. A forma do Estado, as relações sociais, a organização social padece dos mesmos males, com a sociedade urbana a responder a normas ocidentais e o mato a viver de acordo com os costumes tradicionais. Nada disto é novo, bem pelo contrário!

O que é verdadeiramente novo é a atenção que o Zimbabué provoca na Europa, o que se explica por uma só razão: os agricultores são brancos. Milhares de negros estão a morrer há já alguns anos no Sudão, esta questão está na agenda de todos os sítios de relações internacionais ou estudos africanos; os EUA falam dele há algum tempo, mas só o Zimbabué provoca tal reacção.

Por esta razão muita gente sabe quem é Robert Mugabe e o que ele fez a alguns brancos (e o drama que provocou no seu país a milhões dos seus concidadãos), mas duvido que haja tantos ocidentais a saberem que foram (são?) as Interahamwe


FG

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O financiamento dos partidos


A postura hipócrita da legislação portuguesa, tentando ser puritanos no financiamento partidário (como fazem nos ordenados dos eleitos... para dar outras benesses que custam bem mais ao sistema de segurança social) só podia dar nisto. Segundo o Público de hoje, um ex-Secretário Geral do PSD, José Luís Arnaut, terá sido responsável, juntamento com o ex-Secretário Geral Adjunto do partido, Vieira de Castro, por um financiamento ilegal da Somague ao Partido Social Democrata.

É curioso como não se têm levantado muitas vozes dos outros partidos contra esta situação grave. A verdade é que a Lei empurra todos os partidos para situações de financiamento ilegal e todos têm neste caso telhados de vidro. Porque não deixarmo-nos de hipocrisia e passar a aceitar mais e maiores financiamentos, com maior transparência e retirar a suspeição do nosso sistema político?

A pior face desta moeda é a suspeição que cobre todo o sistema partidário. É que, pouco depois de ter tomado posse como Secretário de Estado das Obras Públicas, Vieira de Castro pode ter tomado uma decisão favorável à Somague, numa concessão de Auto-Estrada. Ao que parece, segundo a notícia do Público, a Somague até teria razão. No entanto, está uma nuvem de suspeição que mancha a política, os políticos e os empresários, apenas e só o legislador tem preferido o caminho fácil da demagogia...

FG

*ps - Tudo isto não é mais do que o business as usual à portuguesa...

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Iraque 2007


Ler o bom artigo, como quase todos (ainda que discorde de alguns pormenores) do General Loureiro dos Santos, no Público de hoje, pôs-me a pensar no que aconteceu aos EUA nos últimos anos.

Depois do fim da guerra-fria, os EUA apareceram como os vencedores incontestáveis de uma guerra sem batalhas (apenas com baixas...), tornando o mundo claramente unipolar. Por essa razão foi tão fácil conseguir o bandwagoning de 1991/1992 após a invasão do Kuwait pelo Iraque. Nos anos '90 os EUA habituaram-nos que havia um Xerife na nova Ordem Internacional (apesar dos desastres da Somália e do Haiti) e, de uma maneira ou de outra, com (Timor) ou sem (Kosovo) apoio generalizado internacional lá foram levando a água ao seu moinho.

Salienta-se que em quase todos os exemplos dos anos '90, apesar de algumas críticas, os EUA estiveram acompanhados do mainstream internacional - ainda que no caso do Kosovo a coisa tenha estado mais tremida.

Com a intervenção de 2003, que em minha opinião era necessária, ainda que as questões de forma tenham sido tratadas com os pés, os EUA, patrocinados por algumas elites europeias (e não só), mas também por culpas próprias perderam muito do seu capital e da capacidade de atracção que possuíam.

Encarando o poder de forma holística, porque se este é fungível nas suas diversas dimensões então forma um todo, os EUA fazem um mundo claramente unipolar mas, no qual boa parte da população não está confortável com essa situação e no qual a potência dominante é enfrentada por Estados menores, como a Coreia do Norte, a Venezuela ou o Irão. Paralelamente há já gente a acreditar que a vulnerabilidades militares reveladas no Iraque mostram que os EUA podem estar em sobre-extensão.

No entanto, se encararmos o poder de uma perspectiva multidimensional então as coisas tornam-se muito mais complexas: na dimensão militar o mundo é unipolar, o orçamento e as capacidades dos EUA estão a anos luz de distância dos restantes actores); em termos económicos o mundo é claramente multipolar, os EUA são o actor mais potente, mas a RPC cresce a níveis absurdos (de tal forma que a taxa de juro subiu para mais de 7% para travar o crescimento económico e o disparar da inflação) e, as dificuldades do Doha Round não são mais do que o claro sinal da emergência - e a consolidação - de algumas potências, com a formação do eixo BRIC; por fim, no que à dimensão cultural diz respeito, os EUA continuam a ser dominantes, mas o avanço da globalização e a perda de popularidade do país leva a que tenha de haver cuidados suplementares ao nível da diplomacia pública e do soft power.

Os próximos anos serão muito importantes para a definição do papel dos EUA no mundo e da distribuição do poder no século XXI. Ainda teremos de esperar alguns anos para que Brasil, Rússia, Índia e China ditem as regras do mundo. A verdade é que o eixo da economia mundial está a deixar o ocidente, onde esteve nos últimos 500 anos. Adivinhava-se que tal acontecesse desde 1956, quando Dulles vergou a França e a Inglaterra ao fim do euro-mundo. Nessa altura a competição era a dois e fazia-se em toda a parte do mundo. Agora a competição é global, metro a metro. Tip O'Neill disse que all politics is local, Friedman responde, not anymore, agora também é, ao mesmo tempo, global. Há que estar preparado.
FG

O Verão por Mucha...


Antes de me dedicar a escrever outro post mais sério olhei Mucha, feliz porque me lembrou uma linda manhã das últimas férias de Verão...

FG

Obama, Cuba e as intenções de voto na Florida


O candidato presidencial Barack Obama declarou ontem ser a favor da diminuição das restrições ao envio de dinheiro dos emigrantes cubanos aos seus familiares e das restrições de viagens a Cuba.

Será que o homem está a correr fora do establishment? Não me parece que seja assim tão ingénuo. O capital dos democratas junto da população de origem cubana de Miami está ferido desde que Clinton permitiu o regresso de Elian Gonzales para junto do seu pai, em Cuba.

Bush, seduzindo o voto mais conservador dos cubanos (e sabendo talvez que perdera na Florida), limitou o envio de dinheiro para os familiares a 300 dólares (antes era 3000) e restringiu as viagens de visita aos familiares em Cuba a uma em cada três anos. A medida, além de popular junto dos sectores mais anti-castristas de Miami, foi também inteligente, é sabido o quanto Cuba lucra com as remessas dos dinheiros dos emigrantes – é a segurança social exógena.

Obama parece saber, no entanto, que a composição da massa de emigrantes mudou nas últimas décadas. No início os cubanos saíam da ilha de avião, sem dinheiro mas com os seus; nos últimos anos têm abandonado a ilha de barco (muitas vezes de borracha) e, outras vezes, em câmaras-de-ar de pneus, deixando para trás toda a sua rede social e familiar.

Estas novas gerações são menos politizadas dos que as primeiras, não são propriamente ex-privilegiados de Batista, e querem ajudar quem deixaram para trás, muitas vezes mulher e filhos. Hilary declarou, há alguns dias, que era possível mexer nestas questões, mas apenas após a saída de Castro da chefia-de-Estado, numa atitude muito mais mainstream do que Obama.

Na verdade, se os votos na Florida estão divididos, sendo que o voto latino é, maioritariamente, republicano, o discurso de Obama penetra no reduto do inimigo, podendo ser muito bem pensado numa eleição nacional. No ano em 2000 (números pouco fidedignos, por razões óbvias e conhecidas de todos, tal foi a chapelada...) Bush teve 2,909,176 votos, Gore 2,907,451, ambos com 49 %; para uma diferença final de apenas 1725 votos - convenhamos não foi mau (pouco tempo depois do fenómeno Elian). Em 2004, Bush teve 52 % dos (3,964,522 votos) contra 47% de John Kerry (3,583,544), uma diferença de 380978 votos (todos estes dados foram retirados do sítio oficial da CNN).
Assim, olhando para estes números, e partindo do princípio que o voto mais conservador está fora de hipótese para os democratas, mas que o voto destas novas gerações é menos conservador e politizado pelo passado, estes novos votos podem estar a ser ganhos por Obama. Ainda que não consiga ganhar na Florida nas primárias, esta situação torna-o um opositor temível na corrida sequente, juntando voto judeu, mais progressista e latino moderado. Pode também fazer dele um sério candidato a Vice-Presidente, capaz de ganhar votos para o Partido numa corrida presidencial, isto é, torna-o muito pouco dispensável.

Os números das primárias na Florida (Julho de 2007, do American Research Group) dão 45% de intenção de voto em Clinton e 25% em Obama. O candidato do Illinois tem vindo a subir, o que é natural num ex-quase desconhecido da política nacional, mas Hilary tembém começou com menos 9 pontos do que aqueles que tem hoje. A corrida da Florida parece estar decidida em favor de Hilary, mas no país a situação é cada vez mais tremida. De qualquer forma, Obama parece ser, cada vez mais, uma lufada de ar fresco no marasmo em que os EUA estão colocados.

FG