terça-feira, 30 de outubro de 2007

Um desígnio para Portugal


Luís Amado, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, deu uma entrevista ao Correio da Manhã de Domingo passado, 28 de Novembro de 2007, onde, para além dos temas mais actuais, como o novo Tratado da União Europeia e a possibilidade deste ser referendado, falou de uma questão verdadeiramente importante, o desígnio nacional.

No início deste mandato José Sócrates deu uma entrevista a um jornal espanhol (não sei se ao El Mundo ou El Pais) no qual dizia as três prioridades da Politica Externa Portuguesa: Espanha, Espanha e Espanha. Quando li o que o PM disse fiquei com noção do que por aí vinha: alguém que não tem mínima noção do lugar de Portugal no Mundo; não faz dele má pessoa, apenas implica que o chefe de governo do país não conhece quer a História do país quer os movimentos da Política Internacional (talvez até faça dele uma pessoa mais próxima do povo indígena, pois este também não percebe da poda…).

Para completar o quadro, foi escolhido para MNE no início do mandato um indivíduo, académico de elevado perfil, cujo pensamento “utopista” nas Relações Internacionais implicava custos reais para Portugal. Diogo Freitas do Amaral tem conhecimento da Historia do país (quem serei eu para julgar, neste aspecto, um individuo com o seu peso académico e percurso político) e da realidade internacional, mas retira deles um raciocínio com o qual eu não posso nunca concordar.

Assim, a troca de chefes do ministério parece ter sido um importante ajuste nas Necessidades. Saiu um homem com peso de Estado e com um papel importante na construção da Democracia em Portugal, mas com uma visão enviesada em relação ao posicionamento tradicional do país, para dar lugar a um ministro com perfil bem mais discreto mas com pensamento realista, próximo do euro-atlantismo típico de Portugal.

Esta questão pode ser, para um observador menos atento, um “fait-divers”, mas ela é a questão central na governação de um país: a definição de um modelo, de uma Estratégia nacional.

A grande pecha do país passa, em minha opinião, pela inexistência de uma Estratégia, um modelo. Na verdade a situação não será assim tão estranha: após o 25 de Abril era relativamente fácil indicar um desígnio ou um objectivo (daí a lógica dos 3 D´s…), a democratização e a adesão à, então, CEE eram então objectivos.

Abre-se um parêntesis para a questão da adesão à CEE. Este dado novo, da aproximação ao “mainstream” europeu, prefiro colocar o acento tónico no “mainstream” porque, ao contrário do que algumas cabeças (pouco) pensantes do nosso país indicavam, a Ditadura portuguesa tinha uma posição para o contexto europeu, mas numa lógica pré-II Guerra, tradicionalista, como tal, preferiu, até porque a 2ª opção não lhe seria permitida, a EFTA à CEE. Assim, o membership na CEE-UE é, antes de mais, o retorno à exiguidade continental europeia após meio milénio de desejo e prática imperial portuguesa, invertendo assim a lógica de afirmação do país.

Conseguido o ingresso na lógica ocidental europeia – democracia e integração na CEE – a muito custo foi desenvolvida uma Estratégia nacional, ou nunca verdadeiramente o foi.

A verdade é que as insuficiências tradicionais de Portugal, a que se deve somar os resultados catastróficos para o tecido económico português da experiência revolucionária, retiraram campo de manobra à definição de tal estratégia: a internacionalização da economia portuguesa a muito custo foi feita (os grupos económicos portugueses estavam desfeitos e, como tal, o país descapitalizado); o espaço de afirmação tradicional, o mundo lusófono, tinha demasiados problemas internos para ser, efectivamente, um parceiro nessa estratégia (a que se juntam os complexos de ex-colonizador e ex-colonizados); as oportunidades concedidas pelos fundos de coesão foram – genericamente – mal aproveitadas (com dinheiros gastos entre Range Rovers, Ferraris e casas no Algarve); e, quando efectivamente o regime estava maduro, o país conheceu um governo que, em minha opinião foi trágico na praxis política, o de António Guterres.

Foi um período decisivo para a construção do sistema internacional do pós guerra-fria; para o inicio do ultra competitivo modelo da globalização e, o que foi feito nesse período? Zero em matéria de adaptação do modelo do Estado do pós-Keynesianismo (a adaptação do modelo social a novas realidades); e, Zero em educação (salvou-se a estratégia do caminhar para o Brasil que teve alguns sucessos mas que, infelizmente, retirou os olhos da África portuguesa – excepto em Cabo Verde – pondo em causa a entrada, em tempo útil, em mercados fundamentais para a internacionalização da economia nacional).

Efectivamente foi aí que se pôs em causa este início de século XXI, porque os ajustes devem ser executados em tempos de crescimento económico, Portugal tem tido de cortar em tempos de pobreza – o que se tem revelado custo significativos sobre a população menos afortunada.

Luís Amado diz agora que o desígnio de Portugal é o mundo, um revivalismo do império luso de séculos passados, para tem razão. A força de Portugal é a diáspora a capacidade de explorar os laços criados ao longo do seu período de construção do “excesso de História” (nos termos de Eduardo Mondlane). Para tal, Portugal precisa de procurar manter a proximidade entre as elites lusófonas; o nosso desígnio deve ser também o desígnio desses povos. A relação não é entre metrópole e colonizados; nem de lógica neoimperial – lembramos que no caso concreto do Brasil e Angola falamos de duas potências regionais decisivas nos seus contextos que facilmente encontram parceiros ávidos de “special relationships”.

A força de Portugal reside na sua natural inclusão no seio da EU e na correcta exploração das suas especificidades neste contexto. O nosso mercado preferencial de expansão económica será o conhecido, Africa lusófona, Brasil Timor e Macau (os dois últimos garantem acesso à zona do Pacífico e à China); tal não implica deixar de olhar para outros mercados, implica, antes de mais saber aproveitar as oportunidades (o mercado ibérico é uma realidade mas, na maior parte dos casos, o tempo gasto a entrar em sectores estratégicos espanhóis é tempo perdido – é conhecido o proteccionismo do vizinho espanhol…).

Esta Estratégia não pertence só ao Governo, deve ser construída em acordo dos diferentes partidos do arco da governação (não vejo o BE ou o PCP a fazerem parte desta realidade…) com o empresariado português, de outra forma não resulta. Implica acordo também com as elites dos países lusófonos, não podemos acreditar que é um jogo em que apenas Portugal retira dividendos, os frutos devem ser colhidos por todos ou não funciona

FG

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