segunda-feira, 29 de outubro de 2007

As novas realidades do Estado-nação


Os tempos não estão fáceis para o agente Estado. O advento das políticas neoliberais na década de ‘1980, o fim da Guerra-fria, o eclodir da globalização e, mais recentemente, o terrorismo apocalíptico e sequente “desterritorialização” dos conflitos são sintomas da mesma crise: a pós-modernidade implica fortes mudanças no comportamento do Estado.

Saído do Tratado de Vestefália de 1648, o Estado-nação é a entidade política típica da era Moderna: igualdade soberana no plano internacional, e monopólio da violência assegurada ao príncipe. Ainda que não tivesse, num primeiro momento, garantido a estabilidade na Europa, a “invenção” do Estado permitiu criar as condições internas para o fim do feudalismo medieval, e garante o sistema europeu de Estados do século XIX – após as ideias da Revolução francesa estarem devidamente espalhadas pelos exércitos napoleónicos – com as sucessivas vagas revolucionarias na Europa.

Sempre em transformação, no pós II Guerra Mundial as teses sociais-democratas batem as neoliberais na fundação do verdadeiro primeiro sistema internacional, após Bandung e a década de ‘1960 em África (com direito a prolongamento na África colonial portuguesa e no Zimbabué) – disseminando o “Welfare state” pelo mundo ocidental.

Quando o ocidente está a ser ultrapassado pela então União Soviética, há um momento que poucas pessoas recordam no qual a URSS usufruía de um modelo atraente que garantia melhores índices de crescimento económico do que o modelo ocidental.

Por essa razão Reagan e Tatcher impuseram sérias reformas no “Welfare state”, provocando o primeiro recuo no Estado social desde a II Guerra, retomando algumas teses neoliberais, entretanto caídas em desuso.

Este primeiro encolher das tarefas do Estado, é verdadeiramente disso que estamos a falar, sucede com o período da explosão do poder das empresas Multinacionais (ou transnacionais), estas empresas não são uma novidade, mas aparecem agora com outra escala porque o fim dos impérios europeus oferece-lhes novas oportunidades de negócio que um Estado forte não concederia.

O ganho de poder dos actores multinacionais ou transnacionais e o recuo do Estado são, objectivamente, fenómenos paralelos – sujeitando o Sistema Internacional a uma forte alteração de paradigma do modelo “estatocêntrico”.

Também no pós-II Guerra dá-se o crescimento do fenómeno das Organizações Internacionais (surgindo, mais tarde, as Organizações Não Governamentais – que vêm cumprir tarefas dos Estados que, pelo seu recuo ou por inércia, estes não conseguem desempenhar), cedendo os Estados, muitas vezes, o seu atributo fundamental, Soberania – com a CEE/EU como expoente máximo da nova realidade do Estado enfraquecido, recua mais onde mais está amadurecido o modelo.

Ainda que enfraquecido em alguns aspectos e tarefas, e convivendo com outros actores no Sistema Internacional, o Estado – devido ao enclausurado da Guerra-fria – foi, apesar de ir perdendo poder, o elemento central da 2ª metade do século XX.

Com o desanuviar do ambiente internacional, o advento da globalização e o terrorismo apocalíptico, também no Estado podemos falar da pós-modernidade.

Mas a verdade é que estes actores que implicam a pós-modernidade no sistema internacional estão, quase sempre dependentes do poder do Estado, ou neles se alavancam… As grandes empresas ou corporações não sobrevivem sem os Estados de origem; aliás, para terem – de facto – sucesso, são parte da estratégia de afirmação nacional, elementos do soft power…

A “desterritorialização” dos conflitos armados é também uma falácia; acontece que há entidades que não são parte integrante de um Estado (a al-Qaeda é o membro mais notável desta categoria), mas apenas subsistem porque há Estados que, ou por serem verdadeiramente párias no sistema ou porque não são capazes de deter o monopólio de violência no seu interior, dão cobertura a essas organizações.

Por fim, o elemento que mais ameaças oferece ao Estado moderno é a Globalização. Nunca como antes o mundo conheceu um movimento tão “igualizador”, como diz Friedman, o mundo está plano – da nossa parte, ainda que não totalmente, para lá caminha. Este esbater de diferenças entre as realidades internas das diversas entidades politicas implica o questionar do porquê da existência de alguns Estados, desequilibrando decisivamente alguns equilíbrios regionais. Este movimento de integração económica (e política) e de perca de Soberania, conduz a um rápido (re)aparecimento de entidades regionais e, necessariamente, desagregação dos Estados e agregação em blocos, os movimentos integradores – um pouco por todo o mundo – são causa e consequência deste facto.

Nada disto é novo, temo-lo visto na Europa desde o final da Guerra-fria, com os riscos por todos conhecidos. Se em alguns casos apenas se fez a desmistificação de Estados irreais, sem vontade comum de continuarem juntos, a globalização tem um efeito catalizador em todas estas realidades, cujo impacto só daqui a muitos anos poderá ser efectivamente medido.

Por mim, ainda acredito que o Estado está a recuar para mínimos perigosos (como o episódio Blackwater no Iraque tão bem demonstrou), por enquanto, ainda não me parece haver entidades políticas mais ajustadas do que esta, mas as coisas não estão fáceis. A resposta verdadeiramente não estará para breve, este início de século XXI parece implicar substanciais alterações nos modelos de organizaçao política interna, de relacionamento internacional, nas tarefas dos Estados e na distribuiçao de riqueza interna e internacional. Será bom estar por cá sendo testemunha e, se possível, actor...

FG

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