No dia 26 de Julho o presidente francês fez um discurso no Senegal onde, entre outras coisas, falou do facto de África nunca ter “entrado na História”, dos problemas dos africanos que implicam, o seu próprio atraso e do caminho para o Desenvolvimento (quando referiu a colonização não mostrou grande arrependimento ou trauma).
Nos dias subsequentes o presidente sul-africano escreveu uma carta de agradecimento a Sarkozy, lançando o apelo para uma cooperação entre a França e a Africa do Sul, que possibilite o renascimento do continente africano no contexto do renascimento europeu e do resto do mundo.
No último fim-de-semana o presidente da Nigéria fez um discurso em Eltville, na Alemanha, apelando a um “Plano Marshall” para África, que possibilite o renascimento do continente, rumo ao desenvolvimento. Foi salientada a necessidade de haver em África homens de Estado que, tementes a Deus, tragam outra Ética à condução dos assuntos dos Estados africanos.
Sobre Sarkozy, quer-nos parecer que a sua visão sobre história é um bocadinho etnocêntrica, maniqueísta e datada (bem longe do “Estado da Arte”). Há algumas décadas atrás, ao considerar-se que o desenvolvimento e a História eram um percurso comum (as nações estavam numa determinada fase, não desenvolvidas - em vias de desenvolvimento – desenvolvidas), que todos deviam percorrer da mesma forma.
Esta análise, decalcada a partir da experiência ocidental, peca por não conseguir enquadrar o comportamento de alguns países que passaram de “não desenvolvidos” para “desenvolvidos”, como os tigres asiáticos, e por não conseguir explicar como se atinge o desenvolvimento sem ter a experiência política adequada (demo-liberlismo ocidental), que a RP China demonstrou ser capaz de executar; por outro lado, também não consegue explicar os resultados sociais diferentes, com direitos e liberdades salvaguardados de forma diversa…
Para além de etnocêntrica, a visão de “entrar na História” tem a carga maniqueísta do “centro” e da “periferia”. Estes conceitos, bem ao gosto dos maniqueístas marxistas da América Latina dos anos ‘1970, são obtusos porque, ao simplificar-se demasiado a análise do sistema internacional, não se percebem todas as suas dinâmicas; não se conseguindo explicar, por exemplo, um fenómeno como a globalização…
Ainda que Sarkozy parta de pressupostos – em nossa opinião – errados, o discurso tem o mérito de citar a falta de autocrítica dos africanos, fundamental para uma sociedade se superar. Há em África, como em outras partes do mundo, a tendência de responsabilizar sempre, ou quase sempre, o estrangeiro pelos males do continente. Esta ideia tem já raízes antigas, entre elas a falta de auto-estima, com responsabilidades objectivas para os diversos séculos de colonização europeia; ou as teses do “afropessismismo”, em voga há alguns anos. Neste ponto Sarkozy tem razão, os africanos precisam de repensar o seu modelo, precisam de “renascer”, partindo de reflexões internas.
Este discurso pode ser analisado pela negativa, pelos pressupostos etnocêntricos (por alguma razão o presidente francês foi acusado de racismo) ou, como fez Thabo Mbeki, aproveitando a oportunidade, escreveu uma carta ao presidente francês, ignorando o que não lhe interessava, mas agradecendo a iniciativa francesa, em querer contribuir para o desenvolvimento de África.
Mbeki, pragmático, quererá aproveitar a oportunidade do discurso do presidente francês para, em conjunto com a Cimeira EU-África, de Dezembro próximo, colocar certas questões na agenda.
O discurso de Yar’Adua vai no mesmo sentido, mas partindo de um pressuposto errado. Mais uma vez a ideia de um “Plano Marshall”; voltam os africanos a surgir de mão estendida. Yar’Adua parece não ter ainda percebido que África já teve diversos “planos Marshal”, que a solução não passa por deitar dinheiro para cima dos problemas. A solução tem de ser interna, com apoio externo, evidentemente, mas com iniciativa interna. Este mendigar africano é tanto mais irritante quanto absurdo: quando se está num buraco a primeira atitude a tomar é deixar de cavar! Em vez de pedir planos miraculosos, Yar’Adua devia ter pedido para a EU e os EUA estabelecerem relações comerciais com África justas; devia ter começado por se indignar com a PAC e a Pauta Aduaneira norte-americana; poderia ter explicado que para África começar um caminho de enriquecimento (ou “desempobrecimento”) terá de desviar-se do percurso de liberalização de comércio internacional e entrar numa fase de organização interna (do Estado e das suas diversas regiões) e de acumulação pois, de outra forma, não há enriquecimento possível.
Foram duas atitudes bem diversas destes dois chefes de Estado. Mbeki, ainda que cometendo erros graves na sua RAS (onde o combate à SIDA é um desastre completo…), tem potenciado o “empowerment” dos empresários negros, procurando ter uma classe empresarial forte (que hoje tem um enorme poder no seio do ANC, onde Tokyo Sexuale surge como forte hipótese para a sucessão, ao lado de nomes como Cyril Ramaphusa – o preferido de Mandela – ou Jacob Zuma – ex-Vice Presidente de Mbeki).
África parece continuar encravada entre os líderes que olham o futuro e aqueles que se centram no passado, o tempo dos mendigos tem de acabar. A pobreza é, acima de tudo, uma condição económica, os africanos têm de ter a dignidade e a força de carácter de a combater sem complexos ou pessimismos étnicos. A atitude miserabilista do passado confinou o continente não apenas à pobreza mas ao pior dos males paea uma entidade política: a dependência, e esta é a mãe do neocolonialismo.
A Liberdade pela qual os povos africanos lutaram no passado tem uma dimensão económica fundamental, sem a liberdade económica a luta do passado foi vã e a independência política é vazia de conteúdo...
FG
Nos dias subsequentes o presidente sul-africano escreveu uma carta de agradecimento a Sarkozy, lançando o apelo para uma cooperação entre a França e a Africa do Sul, que possibilite o renascimento do continente africano no contexto do renascimento europeu e do resto do mundo.
No último fim-de-semana o presidente da Nigéria fez um discurso em Eltville, na Alemanha, apelando a um “Plano Marshall” para África, que possibilite o renascimento do continente, rumo ao desenvolvimento. Foi salientada a necessidade de haver em África homens de Estado que, tementes a Deus, tragam outra Ética à condução dos assuntos dos Estados africanos.
Sobre Sarkozy, quer-nos parecer que a sua visão sobre história é um bocadinho etnocêntrica, maniqueísta e datada (bem longe do “Estado da Arte”). Há algumas décadas atrás, ao considerar-se que o desenvolvimento e a História eram um percurso comum (as nações estavam numa determinada fase, não desenvolvidas - em vias de desenvolvimento – desenvolvidas), que todos deviam percorrer da mesma forma.
Esta análise, decalcada a partir da experiência ocidental, peca por não conseguir enquadrar o comportamento de alguns países que passaram de “não desenvolvidos” para “desenvolvidos”, como os tigres asiáticos, e por não conseguir explicar como se atinge o desenvolvimento sem ter a experiência política adequada (demo-liberlismo ocidental), que a RP China demonstrou ser capaz de executar; por outro lado, também não consegue explicar os resultados sociais diferentes, com direitos e liberdades salvaguardados de forma diversa…
Para além de etnocêntrica, a visão de “entrar na História” tem a carga maniqueísta do “centro” e da “periferia”. Estes conceitos, bem ao gosto dos maniqueístas marxistas da América Latina dos anos ‘1970, são obtusos porque, ao simplificar-se demasiado a análise do sistema internacional, não se percebem todas as suas dinâmicas; não se conseguindo explicar, por exemplo, um fenómeno como a globalização…
Ainda que Sarkozy parta de pressupostos – em nossa opinião – errados, o discurso tem o mérito de citar a falta de autocrítica dos africanos, fundamental para uma sociedade se superar. Há em África, como em outras partes do mundo, a tendência de responsabilizar sempre, ou quase sempre, o estrangeiro pelos males do continente. Esta ideia tem já raízes antigas, entre elas a falta de auto-estima, com responsabilidades objectivas para os diversos séculos de colonização europeia; ou as teses do “afropessismismo”, em voga há alguns anos. Neste ponto Sarkozy tem razão, os africanos precisam de repensar o seu modelo, precisam de “renascer”, partindo de reflexões internas.
Este discurso pode ser analisado pela negativa, pelos pressupostos etnocêntricos (por alguma razão o presidente francês foi acusado de racismo) ou, como fez Thabo Mbeki, aproveitando a oportunidade, escreveu uma carta ao presidente francês, ignorando o que não lhe interessava, mas agradecendo a iniciativa francesa, em querer contribuir para o desenvolvimento de África.
Mbeki, pragmático, quererá aproveitar a oportunidade do discurso do presidente francês para, em conjunto com a Cimeira EU-África, de Dezembro próximo, colocar certas questões na agenda.
O discurso de Yar’Adua vai no mesmo sentido, mas partindo de um pressuposto errado. Mais uma vez a ideia de um “Plano Marshall”; voltam os africanos a surgir de mão estendida. Yar’Adua parece não ter ainda percebido que África já teve diversos “planos Marshal”, que a solução não passa por deitar dinheiro para cima dos problemas. A solução tem de ser interna, com apoio externo, evidentemente, mas com iniciativa interna. Este mendigar africano é tanto mais irritante quanto absurdo: quando se está num buraco a primeira atitude a tomar é deixar de cavar! Em vez de pedir planos miraculosos, Yar’Adua devia ter pedido para a EU e os EUA estabelecerem relações comerciais com África justas; devia ter começado por se indignar com a PAC e a Pauta Aduaneira norte-americana; poderia ter explicado que para África começar um caminho de enriquecimento (ou “desempobrecimento”) terá de desviar-se do percurso de liberalização de comércio internacional e entrar numa fase de organização interna (do Estado e das suas diversas regiões) e de acumulação pois, de outra forma, não há enriquecimento possível.
Foram duas atitudes bem diversas destes dois chefes de Estado. Mbeki, ainda que cometendo erros graves na sua RAS (onde o combate à SIDA é um desastre completo…), tem potenciado o “empowerment” dos empresários negros, procurando ter uma classe empresarial forte (que hoje tem um enorme poder no seio do ANC, onde Tokyo Sexuale surge como forte hipótese para a sucessão, ao lado de nomes como Cyril Ramaphusa – o preferido de Mandela – ou Jacob Zuma – ex-Vice Presidente de Mbeki).
África parece continuar encravada entre os líderes que olham o futuro e aqueles que se centram no passado, o tempo dos mendigos tem de acabar. A pobreza é, acima de tudo, uma condição económica, os africanos têm de ter a dignidade e a força de carácter de a combater sem complexos ou pessimismos étnicos. A atitude miserabilista do passado confinou o continente não apenas à pobreza mas ao pior dos males paea uma entidade política: a dependência, e esta é a mãe do neocolonialismo.
A Liberdade pela qual os povos africanos lutaram no passado tem uma dimensão económica fundamental, sem a liberdade económica a luta do passado foi vã e a independência política é vazia de conteúdo...
FG
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