segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Notas sobre o Zimbabué


Durante os últimos dias falou-se do “caso Mugabe” na comunicação social portuguesa.

Na sexta-feira Vasco Pulido Valente, no Público, criticou a opção do governo português em não alinhar com o governo britânico e permitir a entrada de Robert Mugabe em Portugal, na Cimeira Europa-África.

No Sábado foi José Cutileiro, no Expresso, que falou em Mbeki empurrar Mugabe a sair do poleiro.

No primeiro caso acho curioso que a posição realista de Portugal seja posta em causa: então 26 países europeus devem vergar-se à Grã-Bretanha em relação ao Zimbabué e assim pôr em causa a posição da EU no continente? No momento em que a RPC ensina ao mundo como se promovem relações privilegiadas com o continente africano (com o mínimo de ingerência nos regimes e retirando a moral do campo político), a UE deve ser prejudicada porque a GB, numa descolonização exemplar à portuguesa, não foi capaz de gerir aquele dossier? I dont think so! Sinal mais para os decisores das Necessidades.

No segundo caso concordo em parte com Cutileiro. O ambiente político zimbabueano está absolutamente fragmentado e poroso, a caminho de um desastre (que não se sabe bem se não terá já acontecido), pelo que soluções internas… nem pensar! É preciso obter uma resposta regional e a República da África do Sul (RAS) é um actor essencial para obter essa resposta. No entanto, Mbeki sabe que Mugabe é um homem com prestígio, capaz de conseguir aliados regionais, o que deixaria a RAS no ingrato papel de se opor a um herói do movimento descolonizador para fazer o jogo dos ex-colonos. Lá ficaria o país isolado (mais uma vez), pondo em causa anos de trabalho de Mandela e Mbeki na legitimação do novo regime da RAS.

A solução será convencer Mugabe a retirar-se, andamos nisto há 8/9 anos e não há meio do homem sair pelo seu pé. Para tal seria necessário que RAS e Angola se unissem nessa pressão, mas como os países se defrontam no lugar de potência regional, com Angola a surgir como underdog mas com uma enorme capacidade de projecção de poder e com um prestígio junto dos vizinhos que a RAS ainda não tem (o Apartheid deixou marcas muito difíceis de limpar). A chave da saída de Mugabe só poderá ser Angola; a RAS já deu a entender o que defende, mas não parece capaz de o impor, só com Angola o nó se desfaz e João Miranda mostrou há alguns meses que Angola está com Mugabe.

Efectivamente, a cimeira EU-Áfica poderá ajudar ao desbloquear desta questão, mas muito passa pela aproximação de Angola às teses sul-africanas. Mas, dado que Angola não parece ter muito a ganhar com tal aproximação, o novo regime de Harare será sempre próximo da RAS, enquanto a manutenção de Mugabe aparece sempre internacionalmente como causa de embaraço e demonstração de impotência da RAS, Luanda está confortável.

FG

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