Em 1979 fechou-se o ciclo de um determinado tipo de colonização em África, o ciclo da ocupação europeia de territórios naquele continente (o caso da África do Sul é distinto, os Boers, ainda que brancos, estão em África há já alguns séculos) .
Em 1979 assinaram-se os Acordos de Lancaster House, no Reino Unido, que decidiram a independência do Zimbabué, até lá Rodésia do Sul. Nestes acordos houve uma questão fundamental que ficou em banho-maria durante 20 anos: a posse da terra – talvez a mais importante em África. O governo ficou com algumas quintas, que deveria exploraria em regime colectivo, e os agricultores brancos ficaram com outras, que exploraram de forma privada.
Abre-se um parêntesis neste texto para explicar que o líder do ZANU, Robert Mugabe, ganha para sempre um élan especial, por ser parte da geração de políticos que deu a independência a África, terá sempre a admiração e o respeito dos pares.
Até ao final da década de ‘1990 o Zimbabué é visto como um exemplo de boas práticas e de desenvolvimento: o celeiro de África; e, Robert Mugabe respeitado enquanto líder africano de referência, também fora do continente.
Em 1999 começam os problemas, Lancaster House empurrou com a barriga a questão do acesso à terra. Em África todos têm acesso a trabalhar a terra, se alguém precisa de um pedaço de terra para trabalhar, pode fazê-lo, mas não pode ter a sua posse e os seus filhos não a podem herdar. A questão da posse é complexa, para os padrões ocidentais, porque no ocidente o estuto social advém, em grande medidada, da posse de determinados bens; em África há uma inversão destes factores: o estatuto social com que se nasce possibilita o acesso a certos bens, concretamente a terra.
Para percebermos a dificuldade do "estranho" ter acesso à terra vejamos umcaso concreto na vizinha República Democrática do Congo (RDC). Durante o século XIX, após uma série de lutas internas no que hoje é o Ruanda, alguns tutsis fugiram do seu território original para se instalar numa zona da actual RDC, mais concretamente na província do Kivu norte, na região de Mulenge. Essas pessoas ficaram conhecidas inicialmente como banyaruanda (“povo do Ruanda”, porque se integravam entre as que falavam a língua do Ruanda, o Kinyaruanda) e não tinham (como hoje não têm) acesso à posse da terra, podem trabalhá-la mas não a podem possuir (isto é, não a podem vender e não pode ser herdada pelos seus descendentes). Esta questão é normalmente discutida pelos líderes tradicionais, na organização do poder tradicional da RDC há três níveis, a posse da terra é discutida no segundo nível e, dado que estas pessoas só têm acesso ao primeiro nível, não têm sequer oportunidade de colocar as suas questões da terra à discussão. A luta pela terra desta etnia origina que, nos anos ‘1970, tenham surgido, quase por geração expontanêa, os banyamulenge (até esta década não se encontram referências a este povo, ele não existia nos registo coloniais belgas), povo de Mulenge, tentando a integração total na organização tradicional congolesa, deixando de ser vistos como estrangeiros. No entanto, tal nunca sucedeu. Como consequência nunca foi pacificada a situação etnico-tribal no Kivu e este foi sempre um povo pária na RDC, sendo conhecido o seu papel fundamental na I Guerra Civil do Congo, em que são aliados cruciais de Laurent-Désiré Kabila na tomada do poder de Kinshasa.
A mesma questão se coloca no Zimbabué. Se na RDC os banyamulenge não conseguem aceder à posse da terra, após mais de um século (segundo alguns autores mais tempo ainda) de instalação no local, como se pode considerar que a situação dos brancos no Zombabué, com todo o peso hiostórico inerente, se resolveria em 20 anos? Mugabe está a jogar a sua manutenção no poder, de acordo com os padrões ocidentais, como não podia deixar de ser – até porque é líder de um Estado neocolonial, herdeiro da colonização branca de África, agarrando-se à mais importante questão africana para ter o apoio dos zimbabueanos.
A desgraça do Zimbabué nasce da herança de um Estado neocolonial. A forma do Estado, as relações sociais, a organização social padece dos mesmos males, com a sociedade urbana a responder a normas ocidentais e o mato a viver de acordo com os costumes tradicionais. Nada disto é novo, bem pelo contrário!
O que é verdadeiramente novo é a atenção que o Zimbabué provoca na Europa, o que se explica por uma só razão: os agricultores são brancos. Milhares de negros estão a morrer há já alguns anos no Sudão, esta questão está na agenda de todos os sítios de relações internacionais ou estudos africanos; os EUA falam dele há algum tempo, mas só o Zimbabué provoca tal reacção.
Por esta razão muita gente sabe quem é Robert Mugabe e o que ele fez a alguns brancos (e o drama que provocou no seu país a milhões dos seus concidadãos), mas duvido que haja tantos ocidentais a saberem que foram (são?) as Interahamwe…
Em 1979 assinaram-se os Acordos de Lancaster House, no Reino Unido, que decidiram a independência do Zimbabué, até lá Rodésia do Sul. Nestes acordos houve uma questão fundamental que ficou em banho-maria durante 20 anos: a posse da terra – talvez a mais importante em África. O governo ficou com algumas quintas, que deveria exploraria em regime colectivo, e os agricultores brancos ficaram com outras, que exploraram de forma privada.
Abre-se um parêntesis neste texto para explicar que o líder do ZANU, Robert Mugabe, ganha para sempre um élan especial, por ser parte da geração de políticos que deu a independência a África, terá sempre a admiração e o respeito dos pares.
Até ao final da década de ‘1990 o Zimbabué é visto como um exemplo de boas práticas e de desenvolvimento: o celeiro de África; e, Robert Mugabe respeitado enquanto líder africano de referência, também fora do continente.
Em 1999 começam os problemas, Lancaster House empurrou com a barriga a questão do acesso à terra. Em África todos têm acesso a trabalhar a terra, se alguém precisa de um pedaço de terra para trabalhar, pode fazê-lo, mas não pode ter a sua posse e os seus filhos não a podem herdar. A questão da posse é complexa, para os padrões ocidentais, porque no ocidente o estuto social advém, em grande medidada, da posse de determinados bens; em África há uma inversão destes factores: o estatuto social com que se nasce possibilita o acesso a certos bens, concretamente a terra.
Para percebermos a dificuldade do "estranho" ter acesso à terra vejamos umcaso concreto na vizinha República Democrática do Congo (RDC). Durante o século XIX, após uma série de lutas internas no que hoje é o Ruanda, alguns tutsis fugiram do seu território original para se instalar numa zona da actual RDC, mais concretamente na província do Kivu norte, na região de Mulenge. Essas pessoas ficaram conhecidas inicialmente como banyaruanda (“povo do Ruanda”, porque se integravam entre as que falavam a língua do Ruanda, o Kinyaruanda) e não tinham (como hoje não têm) acesso à posse da terra, podem trabalhá-la mas não a podem possuir (isto é, não a podem vender e não pode ser herdada pelos seus descendentes). Esta questão é normalmente discutida pelos líderes tradicionais, na organização do poder tradicional da RDC há três níveis, a posse da terra é discutida no segundo nível e, dado que estas pessoas só têm acesso ao primeiro nível, não têm sequer oportunidade de colocar as suas questões da terra à discussão. A luta pela terra desta etnia origina que, nos anos ‘1970, tenham surgido, quase por geração expontanêa, os banyamulenge (até esta década não se encontram referências a este povo, ele não existia nos registo coloniais belgas), povo de Mulenge, tentando a integração total na organização tradicional congolesa, deixando de ser vistos como estrangeiros. No entanto, tal nunca sucedeu. Como consequência nunca foi pacificada a situação etnico-tribal no Kivu e este foi sempre um povo pária na RDC, sendo conhecido o seu papel fundamental na I Guerra Civil do Congo, em que são aliados cruciais de Laurent-Désiré Kabila na tomada do poder de Kinshasa.
A mesma questão se coloca no Zimbabué. Se na RDC os banyamulenge não conseguem aceder à posse da terra, após mais de um século (segundo alguns autores mais tempo ainda) de instalação no local, como se pode considerar que a situação dos brancos no Zombabué, com todo o peso hiostórico inerente, se resolveria em 20 anos? Mugabe está a jogar a sua manutenção no poder, de acordo com os padrões ocidentais, como não podia deixar de ser – até porque é líder de um Estado neocolonial, herdeiro da colonização branca de África, agarrando-se à mais importante questão africana para ter o apoio dos zimbabueanos.
A desgraça do Zimbabué nasce da herança de um Estado neocolonial. A forma do Estado, as relações sociais, a organização social padece dos mesmos males, com a sociedade urbana a responder a normas ocidentais e o mato a viver de acordo com os costumes tradicionais. Nada disto é novo, bem pelo contrário!
O que é verdadeiramente novo é a atenção que o Zimbabué provoca na Europa, o que se explica por uma só razão: os agricultores são brancos. Milhares de negros estão a morrer há já alguns anos no Sudão, esta questão está na agenda de todos os sítios de relações internacionais ou estudos africanos; os EUA falam dele há algum tempo, mas só o Zimbabué provoca tal reacção.
Por esta razão muita gente sabe quem é Robert Mugabe e o que ele fez a alguns brancos (e o drama que provocou no seu país a milhões dos seus concidadãos), mas duvido que haja tantos ocidentais a saberem que foram (são?) as Interahamwe…
FG
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