terça-feira, 21 de agosto de 2007

O endurecer do novo mundo


Quando Francis Fukuyama decidiu defender a tese que a história tinha terminado, muitos leitores (do título do livro, presumo...) correram a criticá-lo pela ousadia de determinar o fim de tal coisa. Pois bem, não era bem isso que o homem queria dizer, era apenas o fim de um tipo de história.

A década de ‘1990, com a crença na Pax Americana (para os ingénuos eterna), estava a dar-lhe razão (apesar das surpresas de Mogadíscio). O mundo, ainda que não se vergando totalmente ao poder americano, acreditava que o modelo demo liberal (capitalismo democrático) era o fim da busca dos sistemas políticos, encontráramos o nosso ideal!

A Pax americana assenta em dois pilares fundamentais: a teoria da pax democrática e a liberdade de comércio internacional. Daí partiu-se para a promoção (e imposição) de regimes democráticos pelo mundo fora – onde tal era possível… Do lado da liberdade de comércio foi fundada uma organização internacional, a OMC, resultando ainda de Bretton Woods, que teria a incumbência de (des)regular as trocas comerciais no mundo. Estava feita a quadratura do círculo no mundo, e com assinatura ocidentocêntrica: paz mundial e prosperidade eterna!

Paralelamente a estes acontecimentos acontecia um movimento, muitas vezes independente de vontades de governantes, que terraplenou o mundo: a Globalização. Fruto dos enormes avanços tecnológicos das últimas décadas o conhecimento tornou-se cada vez menos um privilégio e, cada vez mais, uma necessidade objectiva – cada vez mais barata e acessível.

Podemos colocar o movimento económico e tecnológico (e também cultural…) do lado da Globalização, o que terminou, nos últimos anos, foi a possibilidade de colocar o movimento democratizador do lado da Globalização. Falou-se durante alguns anos que a opção pelo demo liberalismo era um determinismo deste período histórico em que vivemos, se foi, já não é!

Porque esta razão assiste-se agora a autores reputados como Kennan (ou menos conhecidos como Azar Gat) a decretarem o fim do Fim da História. Concordo aliás com a tese de Gat, o sucesso recente de países como a China ou a Rússia (com razões distintas das quais adiantes falaremos), num mundo em que são mais reactivos do que pró-activos, dado que não foi nenhuma destas a potência vitoriosa do sistema anterior (logo não foram elas que exerceram o pattern maintenance), mostra que há vida fora do demo liberalismo.

Zakaria avisara no seu Future of Freedom que era provável que a instauração de regimes que de democráticos só possuíam o nome levasse ao descrédito da democracia, resultando no regresso dos autoritarismos. O sucesso recente da RPC (porque o seu modelo de autoritarismo de mercado se enquadra bem no sistema liberalizado, competitivo e, acima de tudo, desregulado do sistema internacional actual) e da Rússia (apoiado no dinheiro que entrou no país com a alta do petróleo) oferece uma escapatória às exigências do sistema democrático: o capitalismo autoritário.

Angola demonstrou o quão frágil é a proliferação da democracia no mundo quando rompeu com o FMI, em 2004, que fazia exigências crescentes em matérias sensíveis da governação angolana, e optou por uma linha de crédito chinesa, mais realista e esquecendo a moral em política.

Os próximos anos serão curiosos de seguir, mas não acredito que seja um regresso à guerra-fria – esse sistema teve um período histórico e ideológico próprio, que já terminou. A opção actual não é por sistemas estatizantes mas por aproveitar as vantagens que o liberalismo económico oferece mas mantendo o açaime na população: capitalismos autoritários ou autoritarismos de mercado.

O grande desafio, creio eu, passará nos próximos anos por aí. A esquerda anárquica da OMC, os radicais islâmicos ou Chávez não oferecem sistemas de governo funcionais, a RPC ou a Rússia começam a oferecer. Teremos agora de estar atentos às cenas dos próximos capítulos…

FG

Sem comentários: