quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A bondade americana


A vantagem dos EUA enquanto potência (ou superpotência) reside no facto da generalidade das populações do mundo, excepto a dos inimigos, olhar o poder norte-americano enquanto uma forma de poder benigno.

A ideia desse poder benigno está assente no sonho americano, nas fundações da nação. Note-se que desde a sua fundação que os EUA são vistos como os campeões da defesa dos fracos (ainda que com a Doutrina Monroe, complementada com o corolário Roosevelt revelem uma potência em afirmação coerciva).

Parte fundamental dessa relação especial que os EUA têm com os fracos reside no facto do país ter saído de uma situação colonial; ele mesmo resulta da fraqueza, sendo o único exemplo de uma ex-colónia que dá potência – até à actualidade e no sistema moderno de Estados.

Após a II Guerra Mundial, com o conflito ideológico, parte do mundo colonizado via os EUA enquanto um aliado dos poderes imperiais, como uma nova versão deste poder tradicional “eurocêntrico”. No entanto, e com a política da “Nova Fronteira”, a maior vitoria de Kennedy, os EUA perceberam que tinham de estar do “lado certo da História”, passando a ser aliado natural de movimentos nacionalistas na Ásia e em África, repartindo o poder nos novos Estados com a ex-URSS.

Passado que está o tempo idealista da novidade das independências, e uma vez findo o conflito bipolar, os jovens Estados olham cada vez menos com admiração o poder americano – até porque a ultima década revelou-o como hegemónico, nasce a “hiperpotência”.

Aliado a uma conjuntura na qual a distribuição do poder no sistema causa temor, os EUA – na sua acção – não tem tido comportamentos adequados, por incapacidade ou ignorância, de modo a manter a aura de poder benigno.

A traição feita nos últimos anos, por uma Administração que, marcada por preconceitos conservadores anacrónicos e ignorantes sobre o mundo, teve conduta hipócrita e arrasadora da Historia norte-americana. Está por medir os efeitos que esta Administração está a causar na imagem e no poder (é isso que está em discussão, o poder que os EUA têm para impor um determinado modo de vida ao mundo) americano e, por inerência, ocidental.

Como é possível ter acontecido Guantanamo? Como é que os EUA, exemplares na maior parte dos casos de tratamentos dos inimigos, caem neste erro absurdo e, pelo que parece, com conhecimento e aprovação dos superiores?

Como foi possível que, tendo conhecimento do que se passava em Abu Ghraib, os decisores políticos americanos tenham resvalado para o absurdo? Um país cuja justiça militar se revelava implacável no tratamento deste tipo de casos, fundamental para impor disciplina e conduta nas Forças Armadas, cai nesta miséria moral?

O que passou pela cabeça das elites Republicana para permitirem que fosse elevado a Procurador-geral, cargo normalmente acessível a um indivíduos acima de qualquer reparo, um homem como Alberto Gonzales, defensor em pleno século XXI da tortura!

Por fim, e após a conduta indigna de Paul Wolfowitz, como foi possível segurar este homem na direcção do Banco Mundial – roça até a estupidez mais buçal, era objectivo que Wolfowitz ia sair, o arrastar da situação enlameou os EUA e a organização…

Estes sucessivos exemplos da hipocrisia da Administração Bush mostram o mal que estes anos fizeram à imagem dos EUA e do ocidente. Fica demonstrado à saciedade que as Democracias e os povos também se enganam…

Eu fui e sou a favor da necessidade de uma intervenção no Iraque, não uma simples deposição de regime mas uma significativa alteração nos sistemas políticos da região. A causa não é só económica, pelo petróleo (mas sem hipocrisias defendo que o mundo precisa da energia sobre a qual funciona, pelo que deve ser garantido o seu acesso), mas também de política e de segurança regional e mundial. Mas, uma vez que a Democracia é o regime da “forma”, a forma como se fez política conseguiu fazer cair em descrédito tudo o que poderia ser realizado.

Resta-nos esperar pela próxima Administração e guardar bem na nossa memória estes anos infelizes. Urge que os EUA retomem o seu lugar no palco da História.

FG

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Referendando tratados


Parece-me que Vital Moreira tocou na questão essencial mas, no entanto, isso tornou-o num simplificador…

Há, em Portugal, alguns sectores que continuam com o projecto europeu “entalado”. Note-se que a adesão à CEE marcou o fim dos sonhos imperiais com que alguns portugueses ainda se debatem. Expressões como “o nosso preto” ou a crença em que Timor deveria ser como que um “protectorado” português não são mais do que marcas singulares do “excesso de História” nacional.

Esses sectores, têm sempre algum impacto junto da comunicação social e há alguns anos atrás eram os euro-cépticos (o actual – e será que eterno??? – líder do CDS/PP é exemplo de quem soube cavalgar a onda da descrença na normalização portuguesa), hoje há ainda quem duvide do caminho integrador do “velho continente”.

Vital Moreira colocou uma questão essencial, que deveria – de uma vez – esclarecer o apoio entre os portugueses do projecto europeu. O facto é que essa questão nunca foi colocada ao povo, e tal facto inquina sempre o debate sobre esta matéria.

No entanto, e sabendo porém que este tema é de facto fundamental, a proposta de Vital Moreira é em si mesmo falaciosa, porque nos faz crer que apenas há um caminho, uma opção, uma solução, para o projecto europeu! Tal facto não é nem pode ser nunca realidade. O problema maior está em Delors que, com todos os méritos, deixou um presente envenenado com a lógica da “bicicleta”, pondo de parte os “pequenos passos” – sólidos – que permitiram fazer da CEE um sucesso.

Há que ter a devida noção de que os pequenos passos eram possíveis num sistema internacional que eram também fechado e lento, por isso muitas vezes a discussão é falaciosa, hoje esses “pequenos passos” – de que José Pacheco Pereira tanto gosta – são demasiado lentos para as realidades do mundo globalizado.

Ainda que ambas as metáforas estejam desadequadas, é necessário que haja a noção de que é necessário mudar algumas coisas no edifício institucional comunitário, oferecendo à “criatura” credibilidade fora de portas. Concordo perfeitamente com a necessidade da EU ganhar espaço de intervenção e credibilidade externa.

Acontece porém que o edifício está a ser construído sem sustentação interna. Desde que se fala da reforma das instituições comunitárias que se fala da substituição de um sistema horizontal para a verticalização do modelo, no passado o directório. Pois bem, aqui reside o mal maior desta nova mentalidade, os Estados membros deixaram de ser todos iguais para agora passarem a ser todos iguais mas havendo uns que são mais iguais do que outros… O reconhecimento do juiz polaco ou o alargamento das cooperações reforçadas são exemplos infelizes do que não se deve fazer.

Manda o realismo pensar que “o tamanho conta”, mas havia outras propostas a considerar para reforçar o peso da população, como a criação de uma segunda Câmara no Parlamento Europeu, onde fosse eleito igual número de representantes de cada Estado membro, para que saísse reforçado o princípio da igualdade – aqui se recorda que na EU os Estados cedem o seu bem mais precioso, a Soberania, para ser trocada é necessário que seja bem claro que haverá igualdade de tratamento, o que não se verifica…

O texto do tratado ainda não é totalmente conhecido, mas falta a alguns líderes europeus actuais a dimensão de Estado de alguns Homens do passado. Até alguém que, como eu, acredite na bondade do modelo, começa a ter dúvidas a respeito do percurso escolhido… (para ir mais fundo na questão esperarei por ler o texto todo).

No que respeita ao referendo, acredito que este Tratado está na linha do Tratado de Maastricht, como tal, o tempo do referendo já passou. Não é este texto que faz alterações substanciais na arquitetura da UE, pelo que, em minha opinião, não é necessário obter o acrescento de legitimidade que um referendo popular confere, mas compreendo a posição dos que o pedem; compreendo mas não concordo.

FG

ps – Quero elogiar a posição do Joao Bosco Mota Amaral que, como sempre o fez na sua vida política, mesmo sabendo que está em minoria, não se abstém de dar a sua opinião, nunca se escondendo nunca do debate construtivo.

ps2 – É absurdo pensar que a Polónia, por pretender defender o seu interesse nacional esta a atrasar o processo europeu. A França fá-lo com esse absurdo chamado PAC e a Inglaterra está agora mesmo a fazê-lo tentando minar a Conferência EU-África.

Angola no arco estratégico internacional


Há alguns anos atrás corria livremente a ideia de África estar desestrategizada, fora do arco de interesse internacional – foram os anos do comércio livre e do início da Globalização; África, fora dessas preocupações mais nobres, combatia pela sobrevivência…

Com as potências emergentes, RP China e Índia, com maior incidência da primeira, África volta a “contar para contas do mundo”. Como na era pós descolonização, quem pode correr pelas riquezas do continente fá-lo sem dó nem piedade!

Após a morte de Jonas Savimbi Angola entrou num período de estabilização interna, que provocou (com o interesse que as riquezas naturais do país despertam) enormes taxas de crescimento económico. Hoje Angola, muito dependente das suas indústrias extractivas (não que seja problema, desde que se use o dinheiro da riqueza natural para conquistar o futuro…), conta muitíssimo na corrida a África.

Eu aposto na minha província, Benguela. Dois equipamentos, Caminho-de-Ferro de Benguela e o Porto do Lobito, tornam esta província como alavanca de desenvolvimento não só da Província ou do País mas de toda a região. Uma vez operacionais, estará aberta a linha privilegiada para saída de matérias-primas ou produtos agrícolas do interior da região austral do continente, potenciando toda uma zona que está afastada da realidade global.

Há alguns dias estava a ver o noticiário na CNN e vejo o principal patrocinador, a Agência Nacional de Investimento em Angola e hoje estava a ler a “africa investor” de Setembro/Outubro quando vejo que a publicidade na contracapa é da… Sonangol! Definitivamente, Angola está na moda…

FG

Um desígnio para Portugal


Luís Amado, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, deu uma entrevista ao Correio da Manhã de Domingo passado, 28 de Novembro de 2007, onde, para além dos temas mais actuais, como o novo Tratado da União Europeia e a possibilidade deste ser referendado, falou de uma questão verdadeiramente importante, o desígnio nacional.

No início deste mandato José Sócrates deu uma entrevista a um jornal espanhol (não sei se ao El Mundo ou El Pais) no qual dizia as três prioridades da Politica Externa Portuguesa: Espanha, Espanha e Espanha. Quando li o que o PM disse fiquei com noção do que por aí vinha: alguém que não tem mínima noção do lugar de Portugal no Mundo; não faz dele má pessoa, apenas implica que o chefe de governo do país não conhece quer a História do país quer os movimentos da Política Internacional (talvez até faça dele uma pessoa mais próxima do povo indígena, pois este também não percebe da poda…).

Para completar o quadro, foi escolhido para MNE no início do mandato um indivíduo, académico de elevado perfil, cujo pensamento “utopista” nas Relações Internacionais implicava custos reais para Portugal. Diogo Freitas do Amaral tem conhecimento da Historia do país (quem serei eu para julgar, neste aspecto, um individuo com o seu peso académico e percurso político) e da realidade internacional, mas retira deles um raciocínio com o qual eu não posso nunca concordar.

Assim, a troca de chefes do ministério parece ter sido um importante ajuste nas Necessidades. Saiu um homem com peso de Estado e com um papel importante na construção da Democracia em Portugal, mas com uma visão enviesada em relação ao posicionamento tradicional do país, para dar lugar a um ministro com perfil bem mais discreto mas com pensamento realista, próximo do euro-atlantismo típico de Portugal.

Esta questão pode ser, para um observador menos atento, um “fait-divers”, mas ela é a questão central na governação de um país: a definição de um modelo, de uma Estratégia nacional.

A grande pecha do país passa, em minha opinião, pela inexistência de uma Estratégia, um modelo. Na verdade a situação não será assim tão estranha: após o 25 de Abril era relativamente fácil indicar um desígnio ou um objectivo (daí a lógica dos 3 D´s…), a democratização e a adesão à, então, CEE eram então objectivos.

Abre-se um parêntesis para a questão da adesão à CEE. Este dado novo, da aproximação ao “mainstream” europeu, prefiro colocar o acento tónico no “mainstream” porque, ao contrário do que algumas cabeças (pouco) pensantes do nosso país indicavam, a Ditadura portuguesa tinha uma posição para o contexto europeu, mas numa lógica pré-II Guerra, tradicionalista, como tal, preferiu, até porque a 2ª opção não lhe seria permitida, a EFTA à CEE. Assim, o membership na CEE-UE é, antes de mais, o retorno à exiguidade continental europeia após meio milénio de desejo e prática imperial portuguesa, invertendo assim a lógica de afirmação do país.

Conseguido o ingresso na lógica ocidental europeia – democracia e integração na CEE – a muito custo foi desenvolvida uma Estratégia nacional, ou nunca verdadeiramente o foi.

A verdade é que as insuficiências tradicionais de Portugal, a que se deve somar os resultados catastróficos para o tecido económico português da experiência revolucionária, retiraram campo de manobra à definição de tal estratégia: a internacionalização da economia portuguesa a muito custo foi feita (os grupos económicos portugueses estavam desfeitos e, como tal, o país descapitalizado); o espaço de afirmação tradicional, o mundo lusófono, tinha demasiados problemas internos para ser, efectivamente, um parceiro nessa estratégia (a que se juntam os complexos de ex-colonizador e ex-colonizados); as oportunidades concedidas pelos fundos de coesão foram – genericamente – mal aproveitadas (com dinheiros gastos entre Range Rovers, Ferraris e casas no Algarve); e, quando efectivamente o regime estava maduro, o país conheceu um governo que, em minha opinião foi trágico na praxis política, o de António Guterres.

Foi um período decisivo para a construção do sistema internacional do pós guerra-fria; para o inicio do ultra competitivo modelo da globalização e, o que foi feito nesse período? Zero em matéria de adaptação do modelo do Estado do pós-Keynesianismo (a adaptação do modelo social a novas realidades); e, Zero em educação (salvou-se a estratégia do caminhar para o Brasil que teve alguns sucessos mas que, infelizmente, retirou os olhos da África portuguesa – excepto em Cabo Verde – pondo em causa a entrada, em tempo útil, em mercados fundamentais para a internacionalização da economia nacional).

Efectivamente foi aí que se pôs em causa este início de século XXI, porque os ajustes devem ser executados em tempos de crescimento económico, Portugal tem tido de cortar em tempos de pobreza – o que se tem revelado custo significativos sobre a população menos afortunada.

Luís Amado diz agora que o desígnio de Portugal é o mundo, um revivalismo do império luso de séculos passados, para tem razão. A força de Portugal é a diáspora a capacidade de explorar os laços criados ao longo do seu período de construção do “excesso de História” (nos termos de Eduardo Mondlane). Para tal, Portugal precisa de procurar manter a proximidade entre as elites lusófonas; o nosso desígnio deve ser também o desígnio desses povos. A relação não é entre metrópole e colonizados; nem de lógica neoimperial – lembramos que no caso concreto do Brasil e Angola falamos de duas potências regionais decisivas nos seus contextos que facilmente encontram parceiros ávidos de “special relationships”.

A força de Portugal reside na sua natural inclusão no seio da EU e na correcta exploração das suas especificidades neste contexto. O nosso mercado preferencial de expansão económica será o conhecido, Africa lusófona, Brasil Timor e Macau (os dois últimos garantem acesso à zona do Pacífico e à China); tal não implica deixar de olhar para outros mercados, implica, antes de mais saber aproveitar as oportunidades (o mercado ibérico é uma realidade mas, na maior parte dos casos, o tempo gasto a entrar em sectores estratégicos espanhóis é tempo perdido – é conhecido o proteccionismo do vizinho espanhol…).

Esta Estratégia não pertence só ao Governo, deve ser construída em acordo dos diferentes partidos do arco da governação (não vejo o BE ou o PCP a fazerem parte desta realidade…) com o empresariado português, de outra forma não resulta. Implica acordo também com as elites dos países lusófonos, não podemos acreditar que é um jogo em que apenas Portugal retira dividendos, os frutos devem ser colhidos por todos ou não funciona

FG

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

As novas realidades do Estado-nação


Os tempos não estão fáceis para o agente Estado. O advento das políticas neoliberais na década de ‘1980, o fim da Guerra-fria, o eclodir da globalização e, mais recentemente, o terrorismo apocalíptico e sequente “desterritorialização” dos conflitos são sintomas da mesma crise: a pós-modernidade implica fortes mudanças no comportamento do Estado.

Saído do Tratado de Vestefália de 1648, o Estado-nação é a entidade política típica da era Moderna: igualdade soberana no plano internacional, e monopólio da violência assegurada ao príncipe. Ainda que não tivesse, num primeiro momento, garantido a estabilidade na Europa, a “invenção” do Estado permitiu criar as condições internas para o fim do feudalismo medieval, e garante o sistema europeu de Estados do século XIX – após as ideias da Revolução francesa estarem devidamente espalhadas pelos exércitos napoleónicos – com as sucessivas vagas revolucionarias na Europa.

Sempre em transformação, no pós II Guerra Mundial as teses sociais-democratas batem as neoliberais na fundação do verdadeiro primeiro sistema internacional, após Bandung e a década de ‘1960 em África (com direito a prolongamento na África colonial portuguesa e no Zimbabué) – disseminando o “Welfare state” pelo mundo ocidental.

Quando o ocidente está a ser ultrapassado pela então União Soviética, há um momento que poucas pessoas recordam no qual a URSS usufruía de um modelo atraente que garantia melhores índices de crescimento económico do que o modelo ocidental.

Por essa razão Reagan e Tatcher impuseram sérias reformas no “Welfare state”, provocando o primeiro recuo no Estado social desde a II Guerra, retomando algumas teses neoliberais, entretanto caídas em desuso.

Este primeiro encolher das tarefas do Estado, é verdadeiramente disso que estamos a falar, sucede com o período da explosão do poder das empresas Multinacionais (ou transnacionais), estas empresas não são uma novidade, mas aparecem agora com outra escala porque o fim dos impérios europeus oferece-lhes novas oportunidades de negócio que um Estado forte não concederia.

O ganho de poder dos actores multinacionais ou transnacionais e o recuo do Estado são, objectivamente, fenómenos paralelos – sujeitando o Sistema Internacional a uma forte alteração de paradigma do modelo “estatocêntrico”.

Também no pós-II Guerra dá-se o crescimento do fenómeno das Organizações Internacionais (surgindo, mais tarde, as Organizações Não Governamentais – que vêm cumprir tarefas dos Estados que, pelo seu recuo ou por inércia, estes não conseguem desempenhar), cedendo os Estados, muitas vezes, o seu atributo fundamental, Soberania – com a CEE/EU como expoente máximo da nova realidade do Estado enfraquecido, recua mais onde mais está amadurecido o modelo.

Ainda que enfraquecido em alguns aspectos e tarefas, e convivendo com outros actores no Sistema Internacional, o Estado – devido ao enclausurado da Guerra-fria – foi, apesar de ir perdendo poder, o elemento central da 2ª metade do século XX.

Com o desanuviar do ambiente internacional, o advento da globalização e o terrorismo apocalíptico, também no Estado podemos falar da pós-modernidade.

Mas a verdade é que estes actores que implicam a pós-modernidade no sistema internacional estão, quase sempre dependentes do poder do Estado, ou neles se alavancam… As grandes empresas ou corporações não sobrevivem sem os Estados de origem; aliás, para terem – de facto – sucesso, são parte da estratégia de afirmação nacional, elementos do soft power…

A “desterritorialização” dos conflitos armados é também uma falácia; acontece que há entidades que não são parte integrante de um Estado (a al-Qaeda é o membro mais notável desta categoria), mas apenas subsistem porque há Estados que, ou por serem verdadeiramente párias no sistema ou porque não são capazes de deter o monopólio de violência no seu interior, dão cobertura a essas organizações.

Por fim, o elemento que mais ameaças oferece ao Estado moderno é a Globalização. Nunca como antes o mundo conheceu um movimento tão “igualizador”, como diz Friedman, o mundo está plano – da nossa parte, ainda que não totalmente, para lá caminha. Este esbater de diferenças entre as realidades internas das diversas entidades politicas implica o questionar do porquê da existência de alguns Estados, desequilibrando decisivamente alguns equilíbrios regionais. Este movimento de integração económica (e política) e de perca de Soberania, conduz a um rápido (re)aparecimento de entidades regionais e, necessariamente, desagregação dos Estados e agregação em blocos, os movimentos integradores – um pouco por todo o mundo – são causa e consequência deste facto.

Nada disto é novo, temo-lo visto na Europa desde o final da Guerra-fria, com os riscos por todos conhecidos. Se em alguns casos apenas se fez a desmistificação de Estados irreais, sem vontade comum de continuarem juntos, a globalização tem um efeito catalizador em todas estas realidades, cujo impacto só daqui a muitos anos poderá ser efectivamente medido.

Por mim, ainda acredito que o Estado está a recuar para mínimos perigosos (como o episódio Blackwater no Iraque tão bem demonstrou), por enquanto, ainda não me parece haver entidades políticas mais ajustadas do que esta, mas as coisas não estão fáceis. A resposta verdadeiramente não estará para breve, este início de século XXI parece implicar substanciais alterações nos modelos de organizaçao política interna, de relacionamento internacional, nas tarefas dos Estados e na distribuiçao de riqueza interna e internacional. Será bom estar por cá sendo testemunha e, se possível, actor...

FG

terça-feira, 23 de outubro de 2007

A nova Polónia


As eleições polacas do último fim-de-semana trouxeram uma boa novidade para o mundo, especialmente para os polacos. Dos tenebrosos gémeos Kaczyński já só sobra o presidente.

Estive pela primeira vez em Varsóvia em 2003, fui falar à Universidade de Varsóvia sobre Angola. Ainda que o ambiente que frequentei não seja o mais exemplificativo do cidadão médio polaco – andei entre investigadores, docentes universitários e diplomatas – encontrei uma cidade a duas velocidades, com sinais de crescimento do mercado (com comércio e escritórios novos por todo o lado) e um lado de exclusão social bem visível. No entanto, o gap social não era evidente, poucos sinais exteriores de riqueza (uma semana, um porsche).

Este Verão voltei à Polónia, estive com a minha mulher em Varsóvia e Cracóvia. Senti um país bem diferente, mais triste e desiludido (é incrível como 4 anos podem alterar tanto o pulsar de um país); sinal dos 2 milhões de polacos (na sua maioria quadros qualificados) que abandonaram o país nos últimos anos. O crescimento da cultura capitalista é objectiva, centros comerciais a granel e lojas de grandes marcas proliferam da Nowy Swiat à Praça das Três Cruzes. Se há 4 anos vira 1 porsche numa semana, agora vi 6 no primeiro dia… rapidamente deixei de contar!

Assisti à greve das enfermeiras, mais de duas semanas, sem terem qualquer resposta do governo para o aumento do seu ordenado de pouco mais de 200 € mensais (pouco menos que dos médicos que fogem para a GB e Suécia); fui apanhado no meio de uma festa nacionalista, patrocinada pelo partido no poder, onde se cantavam músicas contra o invasor teutónico e contra os russos… o ambiente da cidade era de facto muito estranho.

Ainda que, mais uma vez, não tenha andado muito por entre o “average polish”, não encontrei ninguém que, fora daquele circo nacionalista, votasse no partido no poder. De taxistas a guias turísticos, estudantes a professores, ninguém elogiava o governo. Se a este facto juntarmos os mais de 30% que obtiveram, tal indicia um forte divórcio entre a cidade e a zona rural; se não encontrei ninguém que votasse nos gémeos, como se explica que tenham obtido 30% dos votos?

A este divórcio entre as várias polónias temos de juntar a chaga que os governantes abriram na história recente do país. Viveu-se nos últimos anos um ambiente de perseguição política aos “colaboradores” do antigo regime, como se fosse possível um regime existir se totalmente afastado das suas elites… A Polónia, no lugar de fazer as pazes com o seu passado foi obrigada a abrir brechas derivadas da visão maniqueísta e retorcida de quem a governava.

A Polónia é um país tremendo, com uma história rica no centro da Europa, talvez o mais subavaliado da Europa. Tem um potencial humano e cultural riquíssimo, onde todos estudam, a cultura é acessível e onde apenas parece faltar ajustar o fato aos tempos moderno. A saída de cena de um dos manos Kaczyński é uma notícia positiva para o país e para a Europa, é tempo do país fazer as pazes com o seu passado

FG
ps- quero deixar claro que discordo dos que criticaram o presidente polaco por este ter defendido, como fez, o interesse polaco. A defesa dos interesses fundamentais de um Estado deve servir para a Alemanha, Polónia, Portugal ou Luxemburgo. Ainda que discorde das posições de princípio do senhor, não aceito que lhe seja recusado o direito da defesa do seu interesse nacional.

Um Nobel idiota


No número 1 da revista Foreign Policy em Portugal está um artigo interessante de Alvaro Vargas Llosa denominado “O Regresso do Idiota” (não tenho a certeza ser este o nome porque tenho o original em inglês, pelo que qualquer inexactidão dever-se-á à minha inabilidade para a tradução). Esse artigo, essencial para quem como eu, teme os líderes populistas sul-americanos, expõe ao ridículo alguns laureados com o prémio Nobel (Stiglitz ou Saramago, por exemplo) pelo apoio que dão a alguns líderes daquele hemisfério.

Ganhar o Prémio Nobel é um feito notável, muito embora a política interferira, demasiadas vezes, com as decisões do Comité – sempre dependente do politicamente correcto.

Se é aceitável que nas categorias políticas e/ou culturais surjam algumas escolhas controversas, o mesmo não se verifica em categorias eminentemente científicas, como é o caso da medicina, que atribuiu ao notável cientista James Watson esse prémio no longínquo ano de 1962. As declarações de James Watson são, por essa mesma razão, um marco de imbecilidade neste início de século XXI.

No entanto, o desenterrar do racismo e da superioridade étnico-racial branca sobre os negros (no caso concreto, porque qualquer tentativa de demonstrar a superioridade dos povos é severamente estúpida), trouxe luz sobre uma importante questão: acreditamos quase todos que a educação é a chave para um mundo melhor; James Watson é do mais educado que existe neste planeta e… veja-se o resultado!

A tentativa de criar seres quimicamente e biologicamente perfeitos é tão humana quanto desumana: humana porque o a busca pela melhoria e desenvolvimento individual – e colectivo – é incessante, desumana porque as imperfeições também fazem parte desta espécie. Aliás, é a tolerância para com essas imperfeições (em termos e doses razoáveis…) e para com diferenças entre indivíduos e modelos sociais que permite a convivência entre pessoas e povos.

Devemos todos a Watson um grande muito obrigado para nos lembrar que o carácter das pessoas não se mede só pela educação que se possui; as respostas não estão todas disponíveis na ciência, muito felizmente. Por isso percebo porque alguns pedreiros ou lavradores portugueses se comportavam melhor para com os povos indígenas colonizados do que alguns Governadores provinciais, simplesmente porque eram capazes de reconhecer o relacionamento humano que os aproximava, coisa que gente como Watson, por muito que busque nas profundezas das suas estatísticas, nunca verdadeiramente encontrará.


FG

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Remédios lusos


A entrevista de Pinto Monteiro ao semanário Sol de 20 de Outubro é mais uma típica conversa à portuguesa!

Os portugueses são excelentes a detectar as anomalias do sistema: Catalina Pestana esteve à frente da Casa Pia e percebeu que as redes de pedofilia estavam activas, calou-se bem caladinha, falou no fim; Pinto Monteiro tem nomeado gente a granel na Procuradoria, criticando agora o sistema feudal da instituição que, pasme-se, ele lidera.

Desculpem lá mas não há paciência! Semana sim, semana não, aparece um ex- qualquer coisa (no caso de Monteiro é pior porque ainda lá está) a criticar o funcionamento de qualquer coisa no país; quando a questão fundamental é perceber porquê que quando por lá andaram não fizeram nada?

Manuela Ferreira Leite é vendida aos militantes do PSD e ao comum cidadão como uma mulher acima de qualquer suspeita, de perfil elevadíssimo e de capacidades extraordinárias; será que estou enganado mas não foi ela Ministra da Educação e Ministra das Finanças? Em que estado estão a Educação e as Finanças Públicas em Portugal? Qual o trabalho estrutural que na sua passagem por aquelas pastas foi feito?

Anda por aí muito declamador de panaceia com frases feitas para salvação nacional que teve a sua oportunidade! Fazem-me lembrar aquele indivíduo que tem uma amante e que diz que o casamento dos homossexuais vais destruir a instituição do matrimónio; ou os advogados que, nas orais da ordem, avisam os estagiários (examinandos) para a crise em que vive a advocacia – os que estão de fora do sistema ou os recém chegados são que têm que ouvir isto? Bem prega Frei Tomás…

A verdade é que os políticos portugueses, bem como as elites portuguesas em geral, são muito mal preparados; procuram soluções com sucesso em outras paragens (como esta flexisegurança) não percebendo que o caminho de Desenvolvimento não é uma recta com um ponto de partida e um ponto de chegada, não é um percurso histórico de não desenvolvimento para desenvolvimento. O Desenvolvimento faz-se através da construção de modelos apropriados para as sociedades em que se deverão aplicar.

Há alguns anos era a Irlanda, depois passou a ser a Dinamarca, antes era o modelo da educação da Suécia. Na verdade os decisores políticos nacionais são quase sempre mimos, que copiam modelos de sucesso no estrangeiro para aplicação na pátria indígena. Esta situação também se deve ao facto do modelo político estar bloqueado, o velho centrão.

Desculpem-me os que comigo discordarem mas Portugal teve, desde o 25 de Abril dois Primeiro-ministro com visão estratégica do sistema político nacional: Francisco Sá Carneiro e Aníbal Cavaco e Silva. Ambos procuraram, inteligentemente, a bipolarização do sistema, criando dois pólos aglutinadores capazes de se confrontarem e gerarem alternativas de poder, de governo e de desenvolvimento.

Este foi o maior fracasso destes governantes, que só com a introdução de círculos uninominais pode ser ultrapassado, de outra forma caímos na latinização do nosso sistema político onde o PSD e o PS (mais algum CDS, PP não…) se protegem, criando o bloco central e impedindo a verdadeira criação de alternativas.

Na verdade esta nuance do sistema político poderia nem ser necessária se fossem criados grupos de estudo e think thanks capazes de fornecer inteligência, matéria-prima para, uma vez no poder, ser aplicada à governação nacional. Os políticos de pequena dimensão desprezam estas coisas, porque o importante é lá chegar, depois logo se vê – depois cai-se no abismo do vazio de ideias e governa-se à vista, dependente de marés positivas da conjuntura internacional.

A minha maior esperança para Menezes é efectivamente o Grupo de Estudos Nacional e o Instituto Francisco Sá Carneiro, onde se possa desenvolver trabalho intelectual e preparar a próxima governação do PSD, com ideias e modelos pensados para este país, não com cópias preguiçosas de experiências exógenas.

FG

Confiança

Paul Krugman escreve hoje no NY Times um artigo muito interessante sobre a crise do subprime nos EUA (ignorando as críticas a Greenspan, porque essa é a espuma da cerveja), onde explica que a crise maior desta crise é a “crise de confiança”.

O maior problema da introdução da desregulamentação no mercado é a gulodice dos liberais, que tendem para ir sempre um pouco longe de mais. Krugman compara a confiança nos mercados à confiança no talho, não sabemos a qualidade da carne, confiamos em quem a vende, não sabemos a estabilidade de quem nos faz a hipoteca, confiamos

A confiança funciona bem até estar abalada, depois é como a virgindade…

Em Portugal temos uma instituição financeira que vive numa crise de confiança profunda: o BCP.

As notícias que vieram a público nos últimos meses são perturbadoras: os administradores têm rendimentos imundos para a realidade nacional (fala-se em 5 milhões de € para o CEO!!!), os altos quadros do banco usam os recursos para viagens particulares e, agora, detectaram-se promiscuidades entre administração e familiares e amigos.

Aqui se lembra que esta instituição cresceu porque transmitia uma imagem de dinâmica aliada a dimensões de credibilidade e rigor que ofereciam confiança a depositantes e investidores. Hoje o BCP é um saco de gatos onde ninguém se entende e onde as lutas de poder ainda que não afastem o pai fundador derretem a imagem da instituição.

A quem interessa a manutenção do status quo no banco, para além de quem usufrui de tais rendimentos e do La Caija?

FG

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Aznar e Bush e o posicionamento de longo prazo de Portugal

As noticias saídas nos últimos dias no El Pais comprometem seriamente Bush e Aznar e na preparação da Guerra do Iraque, e na justificação desta enquanto guerra justa, ou “justificável”.

No entanto, e se Aznar sai mal da fotografia, enquanto líder calculista e cínico há algumas coisas que devem ser ditas em relação à posição portuguesa naquele período histórico.

Em primeiro lugar devemos olhar o posicionamento diacrónico de Portugal e perceber que, desde há alguns séculos, Portugal é o aliado preferencial da potência marítima do sistema no maciço peninsular.

A alteração que Aznar estava a fazer, de colar a Espanha à potência marítima do sistema (posição que os EUA, incontestavelmente, representam hoje), significava um risco para Portugal, obrigando-o a repensar uma estratégia diplomática secular, situação que empurraria o país para uma exiguidade cada vez maior – sem particularidades distintivas da realidade peninsular e europeia – e, consequentemente para a insignificância política.

Neste quadro, nada mais restava a Barroso do que afirmar a posição tradicional portuguesa, colando-se aos EUA e Grã-Bretanha, e garantindo a posição tradicional. Assim, parece-nos justo afirmar que a posição do governo de Portugal naquela data foi além de correcta e a única possível.

Por fim, recorda-se que segundo alguns dirigentes do PS Barroso tinha posto em causa o consenso da Politica Externa do período democrático, quando na verdade, o que estava efectivamente em causa era o posicionamento secular de Portugal no mundo, posicionamento esse que algumas pessoas ou não percebem, o que é triste se ponderarmos as posições que ocupam, ou ignorante, o que se revela da maior grandeza pois não há tragédia maior do que aliar a ignorância ao poder…

FG