A ideia desse poder benigno está assente no sonho americano, nas fundações da nação. Note-se que desde a sua fundação que os EUA são vistos como os campeões da defesa dos fracos (ainda que com a Doutrina Monroe, complementada com o corolário Roosevelt revelem uma potência em afirmação coerciva).
Parte fundamental dessa relação especial que os EUA têm com os fracos reside no facto do país ter saído de uma situação colonial; ele mesmo resulta da fraqueza, sendo o único exemplo de uma ex-colónia que dá potência – até à actualidade e no sistema moderno de Estados.
Após a II Guerra Mundial, com o conflito ideológico, parte do mundo colonizado via os EUA enquanto um aliado dos poderes imperiais, como uma nova versão deste poder tradicional “eurocêntrico”. No entanto, e com a política da “Nova Fronteira”, a maior vitoria de Kennedy, os EUA perceberam que tinham de estar do “lado certo da História”, passando a ser aliado natural de movimentos nacionalistas na Ásia e em África, repartindo o poder nos novos Estados com a ex-URSS.
Passado que está o tempo idealista da novidade das independências, e uma vez findo o conflito bipolar, os jovens Estados olham cada vez menos com admiração o poder americano – até porque a ultima década revelou-o como hegemónico, nasce a “hiperpotência”.
Aliado a uma conjuntura na qual a distribuição do poder no sistema causa temor, os EUA – na sua acção – não tem tido comportamentos adequados, por incapacidade ou ignorância, de modo a manter a aura de poder benigno.
A traição feita nos últimos anos, por uma Administração que, marcada por preconceitos conservadores anacrónicos e ignorantes sobre o mundo, teve conduta hipócrita e arrasadora da Historia norte-americana. Está por medir os efeitos que esta Administração está a causar na imagem e no poder (é isso que está em discussão, o poder que os EUA têm para impor um determinado modo de vida ao mundo) americano e, por inerência, ocidental.
Como é possível ter acontecido Guantanamo? Como é que os EUA, exemplares na maior parte dos casos de tratamentos dos inimigos, caem neste erro absurdo e, pelo que parece, com conhecimento e aprovação dos superiores?
Como foi possível que, tendo conhecimento do que se passava em Abu Ghraib, os decisores políticos americanos tenham resvalado para o absurdo? Um país cuja justiça militar se revelava implacável no tratamento deste tipo de casos, fundamental para impor disciplina e conduta nas Forças Armadas, cai nesta miséria moral?
O que passou pela cabeça das elites Republicana para permitirem que fosse elevado a Procurador-geral, cargo normalmente acessível a um indivíduos acima de qualquer reparo, um homem como Alberto Gonzales, defensor em pleno século XXI da tortura!
Por fim, e após a conduta indigna de Paul Wolfowitz, como foi possível segurar este homem na direcção do Banco Mundial – roça até a estupidez mais buçal, era objectivo que Wolfowitz ia sair, o arrastar da situação enlameou os EUA e a organização…
Estes sucessivos exemplos da hipocrisia da Administração Bush mostram o mal que estes anos fizeram à imagem dos EUA e do ocidente. Fica demonstrado à saciedade que as Democracias e os povos também se enganam…
Eu fui e sou a favor da necessidade de uma intervenção no Iraque, não uma simples deposição de regime mas uma significativa alteração nos sistemas políticos da região. A causa não é só económica, pelo petróleo (mas sem hipocrisias defendo que o mundo precisa da energia sobre a qual funciona, pelo que deve ser garantido o seu acesso), mas também de política e de segurança regional e mundial. Mas, uma vez que a Democracia é o regime da “forma”, a forma como se fez política conseguiu fazer cair em descrédito tudo o que poderia ser realizado.
Resta-nos esperar pela próxima Administração e guardar bem na nossa memória estes anos infelizes. Urge que os EUA retomem o seu lugar no palco da História.
FG